segunda-feira, 19 de novembro de 2018

ARTIGO: MULTIPARENTALIDADE: RATIFICADA PELO STF, SEGUIDA PELA JUSTIÇA DO ACRE.



Thalita Menezes Silva e Maria Antonia de Sousa Cunha Guimarães thalitamenezes23@gmail.com e rosaumaflor@hotmail.com Faculdade da Amazônia Ocidental - FAAO





RESUMO


O presente artigo visa apresentar o primeiro caso de multiparentalidade reconhecida por decisão da Vara Cível do Município de Sena Madureira, no Estado do Acre, de forma descomplicada por ser um tema tão crescente na sociedade e que passa a ter mais relevância nos tribunais brasileiros. A multiparentalidade, os vínculos socioafetivos, e o inteligente julgamento do STF. A metodologia utilizada consiste no método dedutivo, com análises bibliográficas, pesquisas nas jurisprudências e doutrinas de modo indireto.


PALAVRAS-CHAVE: multiparentalidade; multipaternidade; reflexos; socioafetivo; biológico;


TEXTO


Como premissa básica deste artigo, devemos entender o que é, e o que significa a multiparentalidade. Concerne da possibilidade jurídica dada ao genitor   ou genitora biológica e/ou do genitor(a) afetivo de conjurarem os rudimentos da dignidade humana e da afetividade para ver garantido o estabelecimento de  vínculos parentais. Portanto, é plenamente possível caracterizar um elo firmado a partir de uma relação afetiva, ao contrário da exclusivamente biológica, ou seja, a coexistência jurídica de vínculos biológicos e afetivos.
Além disso, a contemporaneidade de elos biológicos e afetivos é plenamente factível, apresentando-se não somente como direito, advindo de sentença declaratória de dupla paternidade ou maternidade, e sim como uma obrigação, visando assegurar os direitos fundamentais de todos os envolvidos. Logo, a multiparentalidade é uma forma de certificar no âmbito jurídico o que se passa no mundo das conjunturas. Proclama a comparência do direito a convivência familiar


que o indivíduo exerça por meio da paternidade ou maternidade biológica juntamente com a socioafetiva.
Acerca disso, o processo de n° 0001746-07.2016.8.01.010011 foi instaurado na Vara Cível do Munícipio de Sena Madureira, no interior do Estado do Acre, em que houve o reconhecimento do primeiro caso de multipaternidade no Município, dando ao autor da ação o direito de possuir o nome do pai biológico e o de criação no registro de nascimento.
O fato deu início quando o jovem (autor) procurou a justiça para pleitear seu direito de ser registrado com o sobrenome de seu pai biológico, porém, já constava um registro feito pelo seu padrasto no modo “à brasileira” quando ainda criança, ou seja, mesmo não sendo seu pai biológico, sem nenhum vínculo genético, foi feito o registro com o seu sobrenome. Assim, houve a criação de laços sócio afetivos com o tempo, gerando uma relação genuína de pai e filho, com todos os direitos e deveres.
Nos autos do processo o autor da ação trouxe a informação de que conheceu seu pai biológico há 5 anos e teve a oportunidade de criar uma relação de afeto com o mesmo, e por isso tomou a decisão de requerer na justiça a inserção do sobrenome paterno biológico na sua certidão e registro de nascimento, mas sem  que retirassem o de seu pai afetivo e de criação.
A juíza de Direito Andréa Brito, que foi responsável pela Decisão e titular da unidade judiciária, disse na decisão que:

O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da realidade, ambos os pais têm relação com o menor, responsáveis pela criação e educação do infante, de modo que a eles, solidariamente, compete a responsabilidade de ser pai”. (BRITO, 2017)

Nos dias atuais é comum termos decisões desse cunho no Direito de Família, da mesma forma que é comum visualizar dois homens ou duas mulheres exercendo papel de pai ou de mãe na vida de um indivíduo. Nos processos instaurados na justiça, muitas vezes o pai de criação é o responsável por dar afeto, respeito, ensinamentos e ajuda à criança, e o pai biológico mesmo não partilhando das mesmas funções, é o responsável pela matéria genética e faz parte da história do filho, querendo ele ou não.
Na sentença, a juíza julgou procedente o pedido e esclareceu o fenômeno da pluriparentalidade, explicando a existência de mais de um pai para o filho, sendo um biológico e o outro de criação ou consideração. Elucidou utilizando o pensamento do Ministro do STF, Luiz Fux:

A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de ‘dupla paternidade’ (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. (RE 898060, 2016)

Vale ressaltar que multiparentalidade ou pluriparentalidade é toda a relação parental com mais de duas pessoas, no caso, duas paternidades. Esse vínculo é  tido pela biologia propriamente dita, ou pela aquisição de novo matrimônio por pais separados.
A juíza trouxe para a sentença o entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, no qual decidiram que a paternidade socioafetiva não retira a responsabilidade do pai biológico. Destaca-se que:

Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). (RE n.º 898.060/SP)

O artigo 226, §7º da Constituição Federal traz que:


Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

O entendimento do STF foi firmado no desprovimento do Recurso Extraordinário nº 898.060/SP pelo Relator e Ministro Luiz Fux, em que o pai biológico do caso recorrera contra acórdão que estabelecia sua paternidade com reflexos pecuniários obrigacionais, independente de vínculo com o pai de criação ou de consideração.


Houveram muitas discussões antes da chegada ao Supremo Tribunal  Federal, devido ao vácuo legislativo e a dúvida que ele trazia. Nos cartórios de todo o território brasileiro existiam demandas de registro com mais de um pai ou mais de uma mãe nas certidões de nascimento. Poderia ser reconhecido mais de um vínculo de paternidade? O vínculo socioafetivo poderia se sobressair em relação ao vínculo biológico? Essas situações desaguaram no Judiciário e passou-se a ter muitas denegações do tipo nas instâncias inferiores com base no vazio legal, e por isso, foi de extrema importância a tese aprovada para milhões de brasileiros que estão em busca desse direito.
Vale ressaltar que foi uma grande reviravolta sobre o assunto, e mesmo no julgamento do recurso e na análise feita entre os relatores, houveram propostas contraditórias e diferenciadas, isso significa que a visão do tema abordado não é unânime para a sociedade e nem para o judiciário.
Por ser nítida a repercussão geral da causa, a decisão do STF serve de parâmetro para os casos que possuam alguma semelhança na justiça do país. Para o Relator e Ministro Luiz Fux, o princípio da paternidade responsável previsto no §7º do artigo 226 da Constituição Federal, institui o acolhimento legislativo da filiação afetiva e biológica, de modo que não haja impedimento no reconhecimento dos dois tipos de paternidade coexistentes.
A paternidade socioafetiva existente tem validade absoluta e, independentemente de registro público atestatório, poderá estar em concorrência e concomitância em relação a paternidade biológica, com base nos princípios já expostos e também no do melhor interesse do filho e na busca de sua felicidade, assim diz o Relator e Ministro Luiz Fux:

(...) nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar- se-ia transformando o ser humano em mero instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o direito que deve servir à pessoa, não o contrário. (FUX, 2016)

A tese aprovada pelo STF tem a seguinte redação: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (RE 898.060/SP). Isso significa que está validado


jurisprudencialmente o direito de exercer a multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Segundo o voto do Ministro Dias Toffoli no Recurso Extraordinário nº 898.060/SP: “O reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalida necessariamente o registro do parentesco socioafetivo, admitindo-se nessa situação o duplo registro com todas as consequências jurídicas daí decorrentes, inclusive para fins sucessórios”.
A decisão por maioria foi bastante destemida e valorada por ousadia, considerando a evidente cessação de um pensamento ultrapassado e antigo segundo o qual as pessoas devem possuir apenas um pai e uma mãe. Principalmente por ser um âmbito tão frágil e que requer muita atenção, rodeado de pré-conceitos de origens religiosas, sociais e morais, o STF teve que ser, e foi, claríssimo e objetivo no seu posicionamento, em um sentido contrário, dando descontinuidade ao pensamento da dualidade parental dos indivíduos.
Mesmo após a decisão inovadora, ainda restam algumas dúvidas que envolvem não só o Direito de Família, como também o Direito das Sucessões e o Direito Previdenciário. Naturalmente se pergunta, por exemplo, como se daria se um indivíduo recebesse a herança de seus dois pais, assim como, seus pais recebessem herança por ascendência do mesmo.
A juíza de Direito, do processo nº 0001746-07.2016.8.01.010011 em Sena Madureira, no momento da sentença, determinou a expedição de um mandado de inclusão do sobrenome do pai biológico no registro e certidão de nascimento e ressaltou a importância do acompanhamento do Poder Judiciário das mudanças na estrutura social do país.




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA



Portal de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ementa.

<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000328783&base=ba seAcordaos>. Acesso em: junho de 2018.

Tribunal de Justiça do Acre. Vara Cível de Sena Madureira reconhece primeiro caso de dupla paternidade no município. /www.tjac.jus.br/noticias/vara- civel-de-sena-madureira-reconhece-primeiro-caso-de-dupla-paternidade-no- municipio/>. Acesso em: junho de 2018.

Recurso Extraordinário nº 898060. STF.

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf>. Acesso em: julho de 2018.

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