Thalita Menezes Silva e Maria Antonia de Sousa Cunha
Guimarães thalitamenezes23@gmail.com e
rosaumaflor@hotmail.com Faculdade
da Amazônia Ocidental - FAAO
RESUMO
O presente
artigo visa apresentar o primeiro caso de multiparentalidade reconhecida por
decisão da Vara Cível do Município de Sena Madureira, no Estado do Acre, de
forma descomplicada por ser um tema tão crescente na sociedade e que passa a
ter mais relevância nos tribunais brasileiros. A multiparentalidade, os
vínculos socioafetivos, e o inteligente julgamento do STF. A metodologia utilizada
consiste no método dedutivo, com análises bibliográficas, pesquisas nas
jurisprudências e doutrinas de modo indireto.
PALAVRAS-CHAVE: multiparentalidade;
multipaternidade; reflexos; socioafetivo; biológico;
TEXTO
Como premissa básica deste artigo, devemos entender o
que é, e o que significa a multiparentalidade. Concerne da possibilidade
jurídica dada ao genitor ou genitora
biológica e/ou do genitor(a) afetivo
de conjurarem os rudimentos da dignidade humana e da afetividade para ver
garantido o estabelecimento de vínculos
parentais. Portanto, é plenamente possível caracterizar um elo firmado a partir
de uma relação afetiva, ao contrário da exclusivamente biológica, ou seja, a
coexistência jurídica de vínculos biológicos e
afetivos.
Além disso, a contemporaneidade de elos biológicos e
afetivos é plenamente factível, apresentando-se não somente como direito,
advindo de sentença declaratória de dupla paternidade ou maternidade, e sim
como uma obrigação, visando assegurar os direitos fundamentais de todos os
envolvidos. Logo, a multiparentalidade é uma forma de certificar no âmbito
jurídico o que se passa no mundo das conjunturas. Proclama a comparência do
direito a convivência familiar
que o indivíduo
exerça por meio da paternidade ou maternidade biológica juntamente com a socioafetiva.
Acerca disso, o processo de n°
0001746-07.2016.8.01.010011 foi instaurado na Vara Cível do Munícipio de Sena
Madureira, no interior do Estado do
Acre, em que houve o reconhecimento do primeiro caso de multipaternidade no
Município, dando ao autor da ação o direito de possuir o nome do pai biológico
e o de criação no registro de nascimento.
O fato deu início quando o jovem (autor)
procurou a justiça para pleitear seu direito
de ser registrado com o sobrenome de seu pai biológico, porém, já constava um registro feito pelo seu padrasto no modo
“à brasileira” quando ainda criança, ou seja, mesmo não sendo seu pai
biológico, sem nenhum vínculo genético, foi feito o registro com o seu sobrenome. Assim, houve a criação de laços
sócio afetivos com o tempo, gerando uma
relação genuína de pai e filho, com todos os direitos e deveres.
Nos autos do processo o autor da ação trouxe a
informação de que conheceu seu pai biológico há 5 anos e teve a oportunidade de
criar uma relação de afeto com o mesmo, e por isso tomou a decisão de requerer
na justiça a inserção do sobrenome paterno biológico na sua certidão e registro
de nascimento, mas sem que retirassem o
de seu pai afetivo e de criação.
A juíza de Direito Andréa Brito, que foi responsável
pela Decisão e titular da unidade judiciária, disse na decisão que:
O Judiciário não pode fechar os olhos
para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da realidade,
ambos os pais têm relação
com o menor, responsáveis pela criação
e educação do infante,
de modo que a eles, solidariamente, compete a responsabilidade de ser pai”. (BRITO,
2017)
Nos dias atuais é comum termos decisões desse cunho
no Direito de Família, da mesma forma que é comum visualizar dois homens ou
duas mulheres exercendo papel de pai ou de mãe na vida de um indivíduo. Nos
processos instaurados na justiça, muitas vezes o pai de criação é o responsável
por dar afeto, respeito, ensinamentos e ajuda à criança, e o pai biológico mesmo
não partilhando das mesmas funções, é o responsável pela matéria genética e faz
parte da história do filho, querendo ele ou não.
Na sentença, a juíza julgou procedente o pedido e
esclareceu o fenômeno da pluriparentalidade, explicando a existência de mais de
um pai para o filho, sendo um biológico e o
outro de criação ou consideração. Elucidou utilizando o pensamento do Ministro
do STF, Luiz Fux:
A
pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito
de ‘dupla paternidade’ (dual paternity), construído pela Suprema Corte do
Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo,
ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da
paternidade. (RE 898060, 2016)
Vale ressaltar que multiparentalidade ou
pluriparentalidade é toda a relação parental com mais de duas pessoas, no caso, duas paternidades. Esse vínculo
é tido pela biologia propriamente dita,
ou pela aquisição de novo matrimônio por pais separados.
A juíza trouxe para a sentença o entendimento firmado
no Supremo Tribunal Federal, no qual decidiram que a paternidade socioafetiva
não retira a responsabilidade do pai biológico. Destaca-se que:
Os arranjos
familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao
desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem
tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos
parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada
tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º).
(RE n.º 898.060/SP)
O artigo 226, §7º da Constituição
Federal traz que:
Art. 226. A família,
base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o
planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
O entendimento do STF foi firmado no desprovimento do
Recurso Extraordinário nº 898.060/SP pelo Relator e Ministro Luiz Fux, em que o
pai biológico do caso recorrera contra acórdão que estabelecia sua paternidade
com reflexos pecuniários obrigacionais, independente de vínculo com o pai de
criação ou de consideração.
Houveram muitas discussões antes da chegada ao
Supremo Tribunal Federal, devido ao
vácuo legislativo e a dúvida que ele trazia. Nos cartórios de todo o território
brasileiro existiam demandas de registro com mais de um pai ou mais de uma mãe
nas certidões de nascimento. Poderia ser reconhecido mais de um vínculo de
paternidade? O vínculo socioafetivo poderia se sobressair em relação ao vínculo
biológico? Essas situações desaguaram no Judiciário e passou-se a ter muitas
denegações do tipo nas instâncias inferiores com base no vazio legal, e por
isso, foi de extrema importância a tese aprovada para milhões de brasileiros
que estão em busca desse direito.
Vale ressaltar que foi uma grande reviravolta sobre o
assunto, e mesmo no julgamento do recurso e na análise feita entre os
relatores, houveram propostas contraditórias e diferenciadas, isso significa
que a visão do tema abordado não é unânime para a sociedade e nem para o
judiciário.
Por ser nítida a repercussão geral da causa, a
decisão do STF serve de parâmetro para os casos que possuam alguma semelhança
na justiça do país. Para o Relator e Ministro Luiz Fux, o princípio da
paternidade responsável previsto no §7º do artigo 226 da Constituição Federal,
institui o acolhimento legislativo da filiação afetiva e biológica, de modo que
não haja impedimento no reconhecimento dos dois tipos de paternidade
coexistentes.
A paternidade socioafetiva existente tem validade
absoluta e, independentemente de registro público atestatório, poderá estar em
concorrência e concomitância em relação a paternidade biológica, com base nos
princípios já expostos e também no do melhor interesse do filho e na busca de
sua felicidade, assim diz o Relator e Ministro Luiz Fux:
(...) nos tempos
atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando
o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os
vínculos. Do contrário, estar- se-ia transformando o ser humano em mero
instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o
direito que deve servir à pessoa, não o contrário. (FUX, 2016)
A tese aprovada pelo STF tem a seguinte redação: “A
paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o
reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica,
com os efeitos jurídicos próprios” (RE 898.060/SP). Isso significa que está validado
jurisprudencialmente
o direito de exercer a multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro.
Segundo o voto do Ministro Dias Toffoli no Recurso
Extraordinário nº 898.060/SP: “O reconhecimento posterior do parentesco
biológico não invalida necessariamente o registro do parentesco socioafetivo,
admitindo-se nessa situação o duplo registro com todas as consequências
jurídicas daí decorrentes, inclusive para fins
sucessórios”.
A decisão por maioria foi bastante destemida e
valorada por ousadia, considerando a evidente cessação de um pensamento
ultrapassado e antigo segundo o qual as pessoas devem possuir apenas um pai e
uma mãe. Principalmente por ser um âmbito tão frágil e que requer muita
atenção, rodeado de pré-conceitos de origens religiosas, sociais e morais, o
STF teve que ser, e foi, claríssimo e objetivo no seu posicionamento, em um
sentido contrário, dando descontinuidade ao pensamento da dualidade parental
dos indivíduos.
Mesmo após a decisão inovadora, ainda restam algumas
dúvidas que envolvem não só o Direito de Família, como também o Direito das
Sucessões e o Direito Previdenciário. Naturalmente se pergunta, por exemplo,
como se daria se um indivíduo recebesse a herança de seus dois pais, assim
como, seus pais recebessem herança por ascendência do mesmo.
A juíza de Direito, do processo nº
0001746-07.2016.8.01.010011 em Sena Madureira, no momento da sentença,
determinou a expedição de um mandado de inclusão do sobrenome do pai biológico
no registro e certidão de nascimento e ressaltou a importância do
acompanhamento do Poder Judiciário das mudanças na estrutura social do país.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Portal de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ementa.
<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000328783&base=ba seAcordaos>. Acesso em: junho de 2018.
Tribunal de Justiça do Acre. Vara Cível de Sena Madureira reconhece primeiro caso de dupla paternidade no município. /www.tjac.jus.br/noticias/vara- civel-de-sena-madureira-reconhece-primeiro-caso-de-dupla-paternidade-no- municipio/>. Acesso em: junho de 2018.
Recurso Extraordinário nº 898060. STF.
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf>. Acesso em: julho de 2018.
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