Denes da Costa Freitas
Antonio Freitas Ferreira Coelho
Resumo: O Direito a filiação é natural dos progenitores e dos filhos, sendo
neste inicio de século reconhecido o direito de filiação, não somente com base
no vinculo sanguíneo, mas no vinculo afetivo, demonstrando a perceptividade
ideológica do direito civil brasileiro que com base no principio da dignidade
da pessoa humana, concede o direito de reconhecimento de paternidade a aqueles
que assim o desejarem com ação volitiva.
Palavras-chave: DIREITO. FILIAÇÃO. AFETIVIDADE. DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA.
Abstract: The right of
filiation comes from the parents and the children, and at the beginning of this
century the right of filiation was recognized, not only on the basis of the
blood link, but also on the affective link, demonstrating the ideological
perception of Brazilian civil law based on the principle of dignity of the
human person, grants the right of recognition of paternity to those who so desire
with volitional action.
Keywords: RIGHT. MEMBERSHIP. AFFECTIVENESS. DIGNITY OF HUMAN PERSON.
INTRODUÇÃO
O presente artigo visa apresentar
uma breve, porém competente, análise do fenômeno jurídico da filiação
(paternidade) que compõe o Direto de Família, parte relevante do Direito Civil,
sendo que este tem como proposito regular a relação das pessoas com pessoas e
das pessoas com as coisas na vida civil, sendo os demais ramos do direito
exceções, realidades jurídicas tratadas partindo de um principio de desigualdade
entre as partes, ou meramente ritualísticos, como Direitos que tem como objeto
a regulação do processo de realização do direito material, tais como, Direito
de Processo Civil, Penal, do Trabalho, dentre outros.
Para apresentar de forma lógica e
harmoniosa a presente reflexão buscou-se organizar o conhecimento em quatro
etapas, onde o tema será analisado no seu aspecto filosófico, teórico,
compreensão do juiz e compreensão do autor, sendo que haverá um encadeamento
lógico entre as etapas e suas sub etapas que são popularmente conhecidas como
parágrafos.
No aspecto filosófico, será
apresentada a opinião do autor em debate com a doutrina sobre a compreensão do
Ser e sua influência no entendimento do direito, e em especial a filiação no
Direito de Família, posteriormente, será apresentada a visão teórica
conceitual, criada pelo direito, à luz da visão de Pablo Stolze, para que
possamos, a partir desses conceitos construídos pela lei e pela doutrina,
entender a forma que o espirito da lei compreende a hipótese legal, ou seja,
como o direito compreende as relações de filiação, dado o conhecimento já
apresentado, entraremos no objeto de análise, que é a noticia do tribunal de
justiça, sobre a compreensão do juiz e por fim, buscar-se-á apresentar a visão
do autor acerca do objeto de análise e dos referenciais apresentados nas duas
primeiras etapas.
O Ser
Compreendo que antes do cidadão,
existe o Ser, ou seja, antes do João, existe o Ser, que não tem nome, a
qualidade intrínseca do individuo, sua natureza existencial, que não tem idade,
cultura, gênero, raça ele é único, porém, para a vida em sociedade, criou-se
fictamente, um nome próprio do Ser, um Registro Geral e um Cadastro Nacional de
Pessoa Física. Esses mecanismos de conhecimento e controle social, são
artificiais e não naturais, são produto da inteligência humana, que com a
finalidade de organizar e controlar os corpos dos Seres, criou mediante a lei,
um sistemas de regras que regulam a vida social, evitando ou regulando a
resolução da lide, independente das partes envolvidas.
O articulista Alfredo Carneiro,
nos explica que para o filósofo alemão Immanuel Kant, existe a impossibilidade de termos cognição da Verdade
ou da realidade, devido à existência de filtros, que a partir de uma
interpretação livre, se entende que sejam os condicionamento sociais, os quais
determinam a pensar, sentir e desejar de formas compatíveis com o gênero,
cultura, religião, localidade, classe econômica, faixa etária, impedindo a
compreensão da “coisa em si”, da coisa real, desprendida dos condicionamento
que a “vida em sociedade” nos dá, somente liberto destes condicionamentos que
será possível apreendermos a “coisa em si”, a realidade real da existência.
“Isso mesmo: para Immanuel Kant, tempo e espaço são
coisas a
priori na mente do homem, ou seja, não existem “lá fora”, na
realidade, mas apenas dentro da mente do homem. Já nascemos
com estas percepções. A experiência com o mundo será delimitada pela razão pura, que
funciona como um filtro. Então, não conhecemos as coisas em si, mas apenas os
resultados que se apresentam para nós na forma de fenômenosproduzidos pela razão pura, que
funciona como uma fábrica que recebe a matéria bruta dos sentidos e produz os
fenômenos que acreditamos ser a realidade. Na verdade, não conhecemos a
“verdadeira realidade”, mas apenas estes “produtos manufaturados” sob
medida para nós, que são os fenômenos.”¹
Alfredo Carneiro
Diante da artificialidade do condicionamento
da identidade social, o que é anterior a isso? O Ser, coisa em si, é anterior a
isso, quando o individuo não está desempenhando seu papel de Juiz, pai,
professor, amigo, amante, o que ele é quando está no silêncio profundo, onde
não há pensamento, não há ideias, somente o silêncio e o nada com os olhos
fechados são onde se encontra a essência do Ser. O próprio nome Ser humano trás
um grande significado, Ser é a Essência, a coisa em si, a consciência e humano
é o aspecto físico, social, artificial.
O direito civil para proteger o
interno o Ser, regula o externo, o comportamento, o corpo, regula aquilo que
está sobre controle, o direito não pode regular uma ideia, um pensamento, uma
opinião, mas poderá punir a sua manifestação, o direito não pode obrigar um
cidadão a amar, mas, pode obrigar a pagar pensão, nesta tentativa de proteger o
interno, o Ser, o direito criou o principio da Dignidade da Pessoa Humana, que em
linhas gerais, nada mais é do que a elaboração de normas que busquem proteger a
dignidade da pessoa humana, mediante a promoção de uma vida em sociedade
saudável para todos, através da oferta de serviços públicos e normatização das
condutas dos indivíduos entre si e com as coisas, podendo também punir aqueles
que praticarem atos que atentem contra esse Ser intrínseco, considerando a
identidade social e seu patrimônio uma extensão do Ser.
Neste diapasão, o direito após a
Segunda Guerra mundial, através dos movimentos constitucionalistas, trouxe a
voga, a dignidade da pessoa humana, fazendo com que todo o direito mundial, valoriza-se
o Ser e não a matéria, ou melhor, a propriedade, oriunda de uma interpretação
positivista e míope das leis.
Ocorreu desta forma, a evolução
do instituto da família, o qual se tornou um contrato, os princípios dos
Direitos Humanos, o surgimento da valorização do afeto em concomitância com o
vinculo sanguíneo. Ao ser inserida a valorização do vinculo afetivo,
valorizou-se o ser, o afeto, a conexão entre dois indivíduos, devido a
consequências materiais, como a dor de não está próximo do outro Ser, o Amor
entre os Seres, entre o pai e filhos legítimos e não legítimos, logo, a
valorização do afeto, busca a materialização de um valor maior na existência, a
saber, o amor entre os homens de bem.
A teoria
“Não há, pois, mais espaço para a
distinção entre família legítima e ilegítima, na condição anterior, ou qualquer
outra expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os
membros da família.”
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona in Manual de Direito Civil 2016.
Pablo Stouze nos apresenta uma
visão da influencia das normas constitucionais sobre a filiação, ramo do
direito de família, onde baseado no principio da igualdade, que se materializa
na relação entre filhos e famílias legitimas e ilegítimas, valorizando o
reconhecimento da vida como ela é, independente de sua legitimidade esteja
compatível ou não com a moralidade social, diante disto, reconhece-se a
existência de um filho, sem que este tenha sido concebido dentro daquilo que se
acha correto para a moralidade social, ou seja, o casamento.
Exemplo disto era o filho
bastardo de relação fora do casamento, valorizando o Ser, a conexão sanguínea
ou natural entre dois indivíduos, que geram obrigações entre as partes, sendo
neste caso, o fato do direito criar obrigações compatíveis com uma moralidade social
de determinado período em que a respectiva lei foi escrita, não podendo o
direito obrigar a existência do afeto, porém apenas a ligação sanguínea, que é
compatível com a lógica de causa e efeito, ou seja, se ele tem seu sangue, você
é responsável por ele existir, logo, tem responsabilidade para com ele, não
podendo o direito obrigar a ama-lo, como também ocorre no direito “ao
conhecimento da origem genética”.
Porém na filiação sócioafetiva o
vinculo não é sanguíneo, mas afetivo, e como poderíamos definir o vinculo
afetivo se não pelo amor? Valorizando desta forma o Ser e sua relação com o
outro a quem se apegou, na dimensão existencial e não social somente. Por outro
lado, pode-se exigir essa relação existencial e prestação material, mediante o
reconhecimento voluntário e o judicial de paternidade, sendo o primeiro
extrajudicial, espontâneo a filhos havidos dentro ou fora de um casamento, e o
segundo o judicial, mediante ação investigatória, sendo o sujeito ativo desta
ação o alegado filho ou o Ministério Público e o sujeito passivo, o suposto
pai.
“Mas, nesse ponto, sem menoscabarmos a importância desse exame, uma
pergunta deve ser feita: ser genitor é o mesmo que ser pai ou mãe?
Pensamos que não, na medida em que a condição paterna (ou materna) vai
muito mais além do que a simples situação de gerador biológico, com um
significado espiritual profundo, ausente nesta ultima expressão.”
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona in Manual de Direito Civil 2016.
Considerando os conceitos acima explicitados,
o direito nos apresenta a possibilidade de existir conexão sanguínea e afetiva
com indivíduos diferentes, surgindo assim o instituto da Multiparentalidade,
surgindo concomitantemente, obrigações iguais para ambos como pais do
individuo.
“A paternidade sócioafetiva, declarada ou não em
registro público, não impede o reconhecimento do vinculo de filiação
concomitantemente baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos
próprios.”³
Tese extraída do julgamento, com Repercussão Geral do
ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal.
O entendimento do Juiz da Vara Civil da Comarca de Tarauacá Dr.
Guilherme Fraga (2015)
Conforme noticia publicada no
site do Tribunal de Justiça do Estado do Acre – TJ/AC² fora apresentada ação
declaratória negativa de paternidade na Vara Civil da Comarca de Tarauacá de
jurisdição do Sr. Dr. Guilherme Fraga, o qual a julgou procedente e determinou
a averbação de registro Civil, face à comprovação, através de exame de DNA, de
que o autor não é pai biológico da criança.
“O autor alegou que teve um
relacionamento amoroso com a genitora da menor e que, acreditando ser o pai da criança, registrou-a civilmente
como sua filha.
O autor
alegou que, após constatar não possuir quaisquer semelhanças com a menor, tendo
ouvido, ainda, comentários de que esta não seria de fato sua filha, solicitou a
realização de exame de DNA, que revelou a negativa de paternidade.
Por este
motivo, a parte autora requereu a averbação do registro de nascimento da
criança para que seja excluído seu nome da condição de pai da menor, bem como
dos nomes dos avós paternos.
O juiz
titular da Vara Cível da Comarca de Tarauacá, Guilherme Fraga, diante da prova
científica de que a criança não possui a linhagem genética do autor, julgou a
procedência do pedido, destacando que ‘não existe prova mais robusta a indicar
que realmente o autor da ação não é pai biológico de R’.”
Análise da Decisão do Juiz
Muito acertada foi a decisão do
juiz, tendo em vista que o autor, ao saber da inexistência de vinculo biológico
com a menor, bem como, ter percebido o dano social gerado e a angústia de se
submeter a um exame de DNA, devido a dúvida que o tomava, rompeu o vinculo
afetivo, o qual requer espontaneidade, conexão existencial entre dois Seres,
não sendo coerente ao Juízo obrigar ao Pai a se relacionar juridicamente com a
menor como filha, sem a existência do vinculo sanguíneo e afetivo,
caracterizando assim, um vicio de consentimento do pai, anulando-se a
paternidade, retirando por fim o nome do próprio do registro civil e dos
respectivos avós paternos, em conformidade com entendimento recente da 3ª Turma
do Superior Tribunal de Justiça, conforme decisão do relator ministro Marco
Aurélio Bellize.
REFERÊNCIAS
ü http://www.netmundi.org/filosofia/2012/a-critica-da-razao-pura-decifrando-o-titulo/
ü https://www.tjac.jus.br/noticias/vicio-de-consentimento-justica-autoriza-desconstituicao-de-paternidade-apos-teste-de-dna/
ü STOLZE, Pablo. Manual de Direito Civil, 2ª Edição, 2018.
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