quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Artigo: Direito de filiação à luz da decisão proferida pelo juiz da v ara cível da Comarca de Tarauacá/Ac


Denes da Costa Freitas 
Antonio Freitas Ferreira Coelho


Resumo: O Direito a filiação é natural dos progenitores e dos filhos, sendo neste inicio de século reconhecido o direito de filiação, não somente com base no vinculo sanguíneo, mas no vinculo afetivo, demonstrando a perceptividade ideológica do direito civil brasileiro que com base no principio da dignidade da pessoa humana, concede o direito de reconhecimento de paternidade a aqueles que assim o desejarem com ação volitiva.

Palavras-chave: DIREITO. FILIAÇÃO. AFETIVIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Abstract: The right of filiation comes from the parents and the children, and at the beginning of this century the right of filiation was recognized, not only on the basis of the blood link, but also on the affective link, demonstrating the ideological perception of Brazilian civil law based on the principle of dignity of the human person, grants the right of recognition of paternity to those who so desire with volitional action.

Keywords: RIGHT. MEMBERSHIP. AFFECTIVENESS. DIGNITY OF HUMAN PERSON.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa apresentar uma breve, porém competente, análise do fenômeno jurídico da filiação (paternidade) que compõe o Direto de Família, parte relevante do Direito Civil, sendo que este tem como proposito regular a relação das pessoas com pessoas e das pessoas com as coisas na vida civil, sendo os demais ramos do direito exceções, realidades jurídicas tratadas partindo de um principio de desigualdade entre as partes, ou meramente ritualísticos, como Direitos que tem como objeto a regulação do processo de realização do direito material, tais como, Direito de Processo Civil, Penal, do Trabalho, dentre outros.

Para apresentar de forma lógica e harmoniosa a presente reflexão buscou-se organizar o conhecimento em quatro etapas, onde o tema será analisado no seu aspecto filosófico, teórico, compreensão do juiz e compreensão do autor, sendo que haverá um encadeamento lógico entre as etapas e suas sub etapas que são popularmente conhecidas como parágrafos.

No aspecto filosófico, será apresentada a opinião do autor em debate com a doutrina sobre a compreensão do Ser e sua influência no entendimento do direito, e em especial a filiação no Direito de Família, posteriormente, será apresentada a visão teórica conceitual, criada pelo direito, à luz da visão de Pablo Stolze, para que possamos, a partir desses conceitos construídos pela lei e pela doutrina, entender a forma que o espirito da lei compreende a hipótese legal, ou seja, como o direito compreende as relações de filiação, dado o conhecimento já apresentado, entraremos no objeto de análise, que é a noticia do tribunal de justiça, sobre a compreensão do juiz e por fim, buscar-se-á apresentar a visão do autor acerca do objeto de análise e dos referenciais apresentados nas duas primeiras etapas.

O Ser

Compreendo que antes do cidadão, existe o Ser, ou seja, antes do João, existe o Ser, que não tem nome, a qualidade intrínseca do individuo, sua natureza existencial, que não tem idade, cultura, gênero, raça ele é único, porém, para a vida em sociedade, criou-se fictamente, um nome próprio do Ser, um Registro Geral e um Cadastro Nacional de Pessoa Física. Esses mecanismos de conhecimento e controle social, são artificiais e não naturais, são produto da inteligência humana, que com a finalidade de organizar e controlar os corpos dos Seres, criou mediante a lei, um sistemas de regras que regulam a vida social, evitando ou regulando a resolução da lide, independente das partes envolvidas.

O articulista Alfredo Carneiro, nos explica que para o filósofo alemão Immanuel Kant, existe a  impossibilidade de termos cognição da Verdade ou da realidade, devido à existência de filtros, que a partir de uma interpretação livre, se entende que sejam os condicionamento sociais, os quais determinam a pensar, sentir e desejar de formas compatíveis com o gênero, cultura, religião, localidade, classe econômica, faixa etária, impedindo a compreensão da “coisa em si”, da coisa real, desprendida dos condicionamento que a “vida em sociedade” nos dá, somente liberto destes condicionamentos que será possível apreendermos a “coisa em si”, a realidade real da existência.

“Isso mesmo: para Immanuel Kant, tempo e espaço são coisas a priori na mente do homem, ou seja, não existem “lá fora”, na realidade, mas apenas dentro da mente do homem. Já nascemos com estas percepções. A experiência com o mundo será delimitada pela razão pura, que funciona como um filtro. Então, não conhecemos as coisas em si, mas apenas os resultados que se apresentam para nós na forma de fenômenosproduzidos pela razão pura, que funciona como uma fábrica que recebe a matéria bruta dos sentidos e produz os fenômenos que acreditamos ser a realidade. Na verdade, não conhecemos a “verdadeira realidade”, mas apenas estes “produtos manufaturados” sob medida para nós, que são os fenômenos.”¹
Alfredo Carneiro

Diante da artificialidade do condicionamento da identidade social, o que é anterior a isso? O Ser, coisa em si, é anterior a isso, quando o individuo não está desempenhando seu papel de Juiz, pai, professor, amigo, amante, o que ele é quando está no silêncio profundo, onde não há pensamento, não há ideias, somente o silêncio e o nada com os olhos fechados são onde se encontra a essência do Ser. O próprio nome Ser humano trás um grande significado, Ser é a Essência, a coisa em si, a consciência e humano é o aspecto físico, social, artificial.

O direito civil para proteger o interno o Ser, regula o externo, o comportamento, o corpo, regula aquilo que está sobre controle, o direito não pode regular uma ideia, um pensamento, uma opinião, mas poderá punir a sua manifestação, o direito não pode obrigar um cidadão a amar, mas, pode obrigar a pagar pensão, nesta tentativa de proteger o interno, o Ser, o direito criou o principio da Dignidade da Pessoa Humana, que em linhas gerais, nada mais é do que a elaboração de normas que busquem proteger a dignidade da pessoa humana, mediante a promoção de uma vida em sociedade saudável para todos, através da oferta de serviços públicos e normatização das condutas dos indivíduos entre si e com as coisas, podendo também punir aqueles que praticarem atos que atentem contra esse Ser intrínseco, considerando a identidade social e seu patrimônio uma extensão do Ser.

Neste diapasão, o direito após a Segunda Guerra mundial, através dos movimentos constitucionalistas, trouxe a voga, a dignidade da pessoa humana, fazendo com que todo o direito mundial, valoriza-se o Ser e não a matéria, ou melhor, a propriedade, oriunda de uma interpretação positivista e míope das leis.

Ocorreu desta forma, a evolução do instituto da família, o qual se tornou um contrato, os princípios dos Direitos Humanos, o surgimento da valorização do afeto em concomitância com o vinculo sanguíneo. Ao ser inserida a valorização do vinculo afetivo, valorizou-se o ser, o afeto, a conexão entre dois indivíduos, devido a consequências materiais, como a dor de não está próximo do outro Ser, o Amor entre os Seres, entre o pai e filhos legítimos e não legítimos, logo, a valorização do afeto, busca a materialização de um valor maior na existência, a saber, o amor entre os homens de bem.

A teoria

 “Não há, pois, mais espaço para a distinção entre família legítima e ilegítima, na condição anterior, ou qualquer outra expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os membros da família.”
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona in Manual de Direito Civil 2016.


Pablo Stouze nos apresenta uma visão da influencia das normas constitucionais sobre a filiação, ramo do direito de família, onde baseado no principio da igualdade, que se materializa na relação entre filhos e famílias legitimas e ilegítimas, valorizando o reconhecimento da vida como ela é, independente de sua legitimidade esteja compatível ou não com a moralidade social, diante disto, reconhece-se a existência de um filho, sem que este tenha sido concebido dentro daquilo que se acha correto para a moralidade social, ou seja, o casamento.

Exemplo disto era o filho bastardo de relação fora do casamento, valorizando o Ser, a conexão sanguínea ou natural entre dois indivíduos, que geram obrigações entre as partes, sendo neste caso, o fato do direito criar obrigações compatíveis com uma moralidade social de determinado período em que a respectiva lei foi escrita, não podendo o direito obrigar a existência do afeto, porém apenas a ligação sanguínea, que é compatível com a lógica de causa e efeito, ou seja, se ele tem seu sangue, você é responsável por ele existir, logo, tem responsabilidade para com ele, não podendo o direito obrigar a ama-lo, como também ocorre no direito “ao conhecimento da origem genética”.

Porém na filiação sócioafetiva o vinculo não é sanguíneo, mas afetivo, e como poderíamos definir o vinculo afetivo se não pelo amor? Valorizando desta forma o Ser e sua relação com o outro a quem se apegou, na dimensão existencial e não social somente. Por outro lado, pode-se exigir essa relação existencial e prestação material, mediante o reconhecimento voluntário e o judicial de paternidade, sendo o primeiro extrajudicial, espontâneo a filhos havidos dentro ou fora de um casamento, e o segundo o judicial, mediante ação investigatória, sendo o sujeito ativo desta ação o alegado filho ou o Ministério Público e o sujeito passivo, o suposto pai.

“Mas, nesse ponto, sem menoscabarmos a importância desse exame, uma pergunta deve ser feita: ser genitor é o mesmo que ser pai ou mãe?
Pensamos que não, na medida em que a condição paterna (ou materna) vai muito mais além do que a simples situação de gerador biológico, com um significado espiritual profundo, ausente nesta ultima expressão.”
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona in Manual de Direito Civil 2016.

Considerando os conceitos acima explicitados, o direito nos apresenta a possibilidade de existir conexão sanguínea e afetiva com indivíduos diferentes, surgindo assim o instituto da Multiparentalidade, surgindo concomitantemente, obrigações iguais para ambos como pais do individuo.
“A paternidade sócioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vinculo de filiação concomitantemente baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.”³
Tese extraída do julgamento, com Repercussão Geral do ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal.

O entendimento do Juiz da Vara Civil da Comarca de Tarauacá Dr. Guilherme Fraga (2015)

Conforme noticia publicada no site do Tribunal de Justiça do Estado do Acre – TJ/AC² fora apresentada ação declaratória negativa de paternidade na Vara Civil da Comarca de Tarauacá de jurisdição do Sr. Dr. Guilherme Fraga, o qual a julgou procedente e determinou a averbação de registro Civil, face à comprovação, através de exame de DNA, de que o autor não é pai biológico da criança.

“O autor alegou que teve um relacionamento amoroso com a genitora da menor e que, acreditando ser o pai da criança, registrou-a civilmente como sua filha.

O autor alegou que, após constatar não possuir quaisquer semelhanças com a menor, tendo ouvido, ainda, comentários de que esta não seria de fato sua filha, solicitou a realização de exame de DNA, que revelou a negativa de paternidade.
Por este motivo, a parte autora requereu a averbação do registro de nascimento da criança para que seja excluído seu nome da condição de pai da menor, bem como dos nomes dos avós paternos.
O juiz titular da Vara Cível da Comarca de Tarauacá, Guilherme Fraga, diante da prova científica de que a criança não possui a linhagem genética do autor, julgou a procedência do pedido, destacando que ‘não existe prova mais robusta a indicar que realmente o autor da ação não é pai biológico de R’.”

Análise da Decisão do Juiz

Muito acertada foi a decisão do juiz, tendo em vista que o autor, ao saber da inexistência de vinculo biológico com a menor, bem como, ter percebido o dano social gerado e a angústia de se submeter a um exame de DNA, devido a dúvida que o tomava, rompeu o vinculo afetivo, o qual requer espontaneidade, conexão existencial entre dois Seres, não sendo coerente ao Juízo obrigar ao Pai a se relacionar juridicamente com a menor como filha, sem a existência do vinculo sanguíneo e afetivo, caracterizando assim, um vicio de consentimento do pai, anulando-se a paternidade, retirando por fim o nome do próprio do registro civil e dos respectivos avós paternos, em conformidade com entendimento recente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme decisão do relator ministro Marco Aurélio Bellize.





  

REFERÊNCIAS


ü http://www.netmundi.org/filosofia/2012/a-critica-da-razao-pura-decifrando-o-titulo/

ü https://www.tjac.jus.br/noticias/vicio-de-consentimento-justica-autoriza-desconstituicao-de-paternidade-apos-teste-de-dna/

ü STOLZE, Pablo. Manual de Direito Civil, 2ª Edição, 2018.

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