segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Artigo: Breve análise da evolução do poder familiar no direito brasileiro



Pedro Lucas Sousa Dias Jocundo[1]
Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira²


Resumo: Algo indubitável é que a sociedade sempre está sofrendo mutações, não só nas maneiras de se comportar, de se vestir, de falar, como também de pensar e viver. O papel do Direito nessas mudanças é analisá-las e se adequar as transformações sociais para criar um corpo social justo e harmônico para todos ao seu redor, ajudando na evolução gradual do ser humano. Uma das maiores mudanças é na família como um todo, na sua estrutura, entidades, núcleos e, finalmente, no poder familiar, objeto de estudo deste artigo. A comparação entre os modelos atuais e antigos desses institutos mostra-se importante para o estudo do avanço no campo social e afetivo da família, mostrando que é possível ter uma base social sólida, feliz e adequada para os tempos modernos.
Palavras-chaves: Poder, Família, Evolução, Direito

Abstract: There is no doubt that society is always mutating, not only in ways of behaving, dressing, speaking, thinking and living. The role of law in these changes is to analyze them and adapt the social transformations to create a fair and harmonious social body for everyone around them, helping in the gradual evolution of the human being. One of the greatest changes is in the family as a whole, in its structure, entities, nuclei and, finally, in family power, object of study of this article. The comparison between current and former models of these institutes is important for the study of progress in the social and affective field of the family, showing that it is possible to have a solid, happy and adequate social base for modern times.
Keywords: Power, Family, Evolution, Law



[1]Bacharelando em Direito, pela Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO. E-mail: pedrolucas199611@gmail.com
²Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza- UNIFOR, Mestre em Direito, Estado e Sociedade, pela Universidade Federal de Santa Catariana- UFSC, Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade de Brasília- UNB, Especialista em Direito Público pela Faculdade de Ciências de Pernambuco –FACIPE, Especialista em Direito Constitucional – Universidade de Minas Gerais, MBA em poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Rondônia –UNIR, Bacharelando em Administração pela Universidade Federal de Brasília.



Introdução

O propósito que se pretende alcançar com o presente artigo é realizar uma análise geral e crítica do instituto do poder familiar no ordenamento jurídico brasileiro, mostrando sua evolução desde o inicio até os dias atuais, expondo suas falhas, qualidades e o que mais pode ser evoluído. O presente trabalho acadêmico usará de doutrinas e exame de decisões judiciais acerca do tema tratado para uma analise clara e objetiva, a fim de se chegar ao objetivo almejado.

Mostra-se muito significativo esse estudo, pois é um tema que se demonstra de pouca relevância no mundo acadêmico, mas que tem relevante destaque na realidade concreta, pois aborda um dos assuntos mais importantes, tanto para o Direito Civil e Constitucional, quanto para a configuração social, moral e estrutural de todo Estado democrático de Direito que é a família.

Para alcançar o escopo do presente artigo, foi dividido em três subdivisões: o primeiro pretende investigar o conceito do instituto, sua evolução histórica e como é abordado no mundo atual, o segundo pretende mostrar como o tema está sendo tratado no ordenamento jurídico brasileiro, como pensam os doutrinadores sobre o poder familiar e analisar decisões de magistrados sobre a asserção tratada, concluindo o estudo da matéria com as considerações finais e um ponto de vista crítico e evolutivo para que haja melhorias em respeito à tese questionada.

1.Conceito e retomada histórica do poder familiar

O poder familiar constitui na atribuição, constituída aos pais, enquanto seus filhos são incapazes de exercer os seus direitos civis de cuidar, educar, defender, guiar, alimentar, resguardar e transformar o ente em desenvolvimento em seres humanos dignos e honrados. Em suma, é o poder dos progenitores para educar o seu fruto no processo de desenvolvimento e crescimento espiritual, racional e corpóreo de seus descendentes.Para completar esse raciocínio, Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 535). ”Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores.”

Entretanto, para chegar a esse pensamento, houve décadas de estudo e evolução do pensamento e comportamento humano e familiar, isso se dá pelo pensamento arcaico, machista e simples do chamado “Pátrio poder”, que consiste no poder exclusivo da figura paterna nas relações familiares, ou seja, o pai tinha todo o poder de decisão sobre os quesitos relacionados à família, entendimento esse corroborado pelo antigo Código Civil de 1916 no seu artigo 379: “Os filhos legítimos, ou legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estão sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores”.

O pátrio poder, no século XXI, mostra-se vencido e superado, à vista disso nota-se o crescente crescimento da importância da figura materna nas relações sociais, familiares e profissionais, isso é, a figura feminina ganhando notoriedade no mundo, algo que, infelizmente, não era possível até meados do século XX, onde a mulher só tinha o dever de cuidar da casa e dos filhos.

Contrapondo-se ao aludido artigo 379 do Código Civil de 1916, vem o atual diploma de 2002, em seu art. 1630 exemplificar que “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. Nota-se apenas a substituição de “Pátrio Poder” para “Poder Familiar” revelando sua evolução no que tange a quem tem o direito de decidir nas questões dos filhos. Importante salientar o termo “enquanto menores”, ou seja, enquanto os rebentos não forem capazes de tomar as próprias decisões, enquanto não puderem gozar de suas plenas capacidades e direitos na esfera civil.

Todavia, de nada adianta mudar o que está no papel, enquanto não mudar o pensamento coletivo de que uma única pessoa é capaz de tomar todas as decisões familiares. A sociedade enquanto um organismo mutável, suscetível a mudanças, deve entender que não mais há um domínio exclusivo do patriarcado. Os arbítrios familiares devem ser tomados em conjunto, cristalizando o poder familiar e contribuindo para um crescimento salutar dos filhos e da própria pessoa, enquanto Homo sapiens.

2.O PODER FAMILIAR NA PRÁTICA

O poder familiar na prática pressupõe a analise aplicacional da realidade concreta do espectro teórico do tema em questão. Para isso, far-se-á uma investigação de noticia ou jurisprudência a respeito do conteúdo tratado.

A noticia a seguir foi retirada do TJ/AC, como se segue ipsis litteris:

“Justiça destitui poder familiar de pai biológico e concede a padrasto guarda de enteada”

Criança expressou o desejo de ter o sobrenome do autor que a cria desde aos três anos de idade.
O Juízo da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Rio Branco atendeu ao pedido de um padrasto e autorizou a adoção da enteada, de 10 anos de idade. Com a sentença, a criança, criada por ele desde os três anos de idade, receberá o sobrenome do pai adotante.
O juiz de Direito Romário Faria, titular da unidade judiciária, destituiu o poder familiar do pai biológico da menina, mas preservou o vínculo da adolescente com a mãe biológica, que após ter se separado do genitor da filha casou-se com o requerente.
O padrasto entrou com ação de adoção unilateral e destituição do poder familiar do pai biológico, relatando conviver com a enteada há sete anos, desde quando casou com a mãe dela. O requerente disse criar a menina como sua filha, dando-lhe carinho e sustento necessário, e como a criança expressou o desejo de ter o sobrenome dele, ele entrou com o pedido.
Assim, o magistrado constatou, a partir da análise do relatório de estudo psicológico favorável, diante da concordância da mãe da menina e do desejo da criança em ser adotada, que a “adoção postulada apresenta real vantagem para a adotanda e se funda em motivos legítimos”.
“Sendo assim, visando o melhor interesse da menor e, ainda, as consequências negativas da morosidade já estabelecida, hei por bem deferir a adoção pretendida, visto constatar a demora na conclusão dessa adoção (…)”, asseverou Romário Faria.
O magistrado ainda discorreu sobre a relação de afeto estabelecida entre a menina e o padrasto. “No caso, houve uma consolidação das relações de afeto, derivado da relação de convivência familiar, na qual ambos os interessados se consideram pai e filha, ao contrário da relação da adolescente com o pai biológico, pois ela não o conhece como pai, pela ausência da afetividade”, escreveu o juiz de Direito”.
“Por fim, o magistrado falou que nas relações paterno-filiais ou as materno-filiais o afeto não é fruto da biologia, portanto, julgou procedente o pedido, e determinou que após o trânsito em julgando o processo seja arquivado”.


Verifica-se uma mudança significativa no tocante a família. Pensa-se no pátrio-poder e não se consegue vislumbrar algo parecido com o conteúdo da referida noticia, isso porque, anteriormente, a figura paterna reinava soberano nos lares brasileiros e não havia espaço para mudanças.
Acertada foi a decisão do magistrado no tocante aos seguintes motivos:
A afetividade entre enteado e padrasto superou barreira sanguínea, nesse caso especial. A criança detectou uma figura paterna salutar no esposo de sua mãe,clara evolução no pensamento do Direito Civil brasileiro do Século XXI, no tocante a família, que detectou esse pensamento e o acatou pelo bem da prole em questão.
Foi respeitado o principio da dignidade da pessoa humana, esculpido na carta magna, no artigo 1°, inciso III, pois o padrasto substituiu de maneira competente a figura do pai biológico, o que lhe deu respeito suficiente para ser o educador da figura infantil em questão e a educanda irá crescer de maneira saudável e meritória.
Outra característica não mais peculiar mostrada no caso em epígrafe é que a menor manifestou desejo de ter o sobrenome do padrasto em detrimento ao do pai biológico. Isso reforça o quanto o novo ser que entrou na vida da jovem exerce de maneira cristalina uma influencia sem precedentes em sua vida. Há, literalmente, uma tentativa de se criar, no plano material, um “novo pai”, algo jamais vislumbrado pelo CC de 1916, muito influenciado pelo pátrio- poder.
No meio da noticia apresentada, mostra o principio do melhor interesse da criança, ou seja, também houve respeito para com o que o menor sentia e queria, pois como ser humano em desenvolvimento, não pode haver erros crassos para que o mesmo não tenha traumas ou tristezas que possam o acompanhar pelo resto de sua vida. O magistrado observou bem essa questão e aplicou o justo.
Para embasar tais teses, cita-se o Art. 1638, CC:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção

O caso apresentado encaixa no Inciso II do referido artigo do CC, pois o progenitor biológico nem sequer foi citado como tentando reverter a situação de abandono afetivo para com sua filha, reagiu de forma passiva e mostrou que não teve importância alguma sobre o que aconteceria com sua descendente. Isso mostra que não havia poder familiar algum em sua figura e que não sabia exercer tal função com afinco e denodo o que causaria prejuízo existencial, cognitivo e espiritual para a criança, não sendo alguém capaz de exercer de maneira eficaz seus direitos e deveres perante a coletividade. Daí entra o famoso ditado popular dos dias atuas que diz “Pai não é quem faz, pai é quem cria”.

Embasado em tal citação empírica, não será incomum ver esse tipo de noticia ou decisão de processos, não só sobre pai e mãe heterossexuais, mas pode-se alcançar tipo de situação em qualquer tipo de família já que, não só o poder familiar mostrou grato desenvolvimento, como os tipos de famílias são plurais, ou seja, dois pais, duas mães, três ou quatro indivíduos criando de uma criança e assim sucessivamente.

3. CONCLUSÕES FINAIS

É notória a evolução e revolução da família, tipos, poder, e constituição. Como já dito nesse artigo, a sociedade e o ser humano individual evolui e é papel do direito e seus operadores detectar essas mudanças e se adequar a elas, modificando normas ultrapassadas e doutrinas obsoletas.

O poder familiar é objeto de muita discussão ainda, pois muitos ainda não aceitam a mudança significativa dos direitos e deveres de cada um perante a coletividade. O presente trabalho não visou explicar a complexidade do tema e sim dar uma breve introdução de pesquisa cientifica e despertar a curiosidade para delimitar sobre tal assunto.

Na prática, infelizmente, ainda tem-se muitos redutos familiares corrompidas com o vencido pátrio- poder. Cabe a todos entender e mostrar um caminho melhor para que todos os seres humanos cresçam e, juntos, sejam capazes de construir um povo harmonioso e com interesses comuns, almejando e conquistando o progresso.





 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA


Tribunal de Justiça do Acre. 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Rio Branco autorizou o pedido de adoção por parte do padrasto.https://www.tjac.jus.br/noticias/justica-destitui-poder-familiar-de-pai-biologico-e-concede-a-padrasto-guarda-de-enteada/ Acesso em Outubro de 2018

Gonçalves, Carlos Roberto:Direito civil brasileiro, volume 06: direito de família / Carlos Roberto Gonçalves. – 14 ed.
– São Paulo: Saraiva 2017.

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