terça-feira, 19 de novembro de 2019

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS E OS INTERESSES DO ADOTANTE, DO ADOTANDO E DO ESTADO.


Suelange Gomes Horácio*



Este trabalho trata da possibilidade da adoção por casais homoafetivos como um direito do casal, bem como da criança e do adolescente. Ao longo dos anos o direito evoluiu para atender aos anseios da sociedade. O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pelo Supremo Tribunal Federal, trouxe novos questionamentos, sendo que tal fato motivou a abordagem do tema em estudo que objetiva elucidar de quem é o interesse na formação deste novo modelo de constituição familiar. No Brasil, ainda existe uma resistência muito grande, por parte de uma parcela da sociedade no que tange à adoção por casais homoafetivos e discussões a respeito da possibilidade de uma criança conviver com duas mulheres ou dois homens como seus pais têm sido cada vez mais frequentes. Os defensores da adoção homoafetiva utilizam-se do argumento deque de fato o que deve ser observado é o amor entre os pais e o filho e, principalmente, o melhor interesse do menor. No entanto, esta pesquisa de caráter bibliográfico comprovou que nem sempre é atendido o interesse das crianças e adolescentes uma vez que prevalece em muitas ocasiões os interesses do Estado e dos adotantes.
Palavras-Chaves: Adoção, Direito das Crianças e adolescentes, Homoafetividade.

ABSTRACT
This paper is abaut the possibilities of adoption by homo-affective couples as a right of the couple and as well as right of the child and adolescent. Over the years the right of the child has been evolved to meet the eagerness of society. The aprova lofsame sex marriage by the Federal High Courts bought new perspectives which motivated this study with the aim of elucidating the interesting party in this new family constitution. In Brazil, there is still a greatres is tenceby a part of the society concerning adoptions by homo-affective couples and discussions on possibilities of a child living with two women or two men as its parents have become more and more frequent. Those advocating in favor of homo-affective adoption make use of arguments justifying that love between parents and child must beobserved, especially of the best interest of the minor. However, this research of bibliographic character attested that not always are the interests of the child and adolescent met since, on many ocassions, the interest of the State and adopters were given priorty.
Key words: Adoption. Children and Adolescents rights. Homo-affectivity.


INTRODUÇÃO
A família é um dos institutos mais antigos e integrantes dos costumes de quase todos os povos, sendo que sua conceituação varia de acordo com a época e as tradições de cada povo, possuindo conceitos e finalidades diferentes em diversas épocas.
Nos dias atuais, as famílias vêm passando por importantes mudanças e novos paradigmas estão sendo criados em consideração ao princípio da afetividade como fator determinante da parentalidade. Este trabalho traz, inicialmente, uma breve abordagem histórica dos modelos de constituição familiar para em seguida apresentar o novo modelo de formação: “a adoção por casais homoafetivos”. Apresenta uma análise dos argumentos que deram origem a criação desta possibilidade jurídica, elencando alguns motivos que levam os casais a buscarem esta formação sem perder de vista o posicionamento do Estado e da sociedade.
Este artigo visa, a partir dessas análises, elucidar quais são os interesses que envolvem a formação de famílias por casais homoafetivos explicitando quem são os verdadeiros interessados.
Neste sentido, o tema abordado apresenta a possibilidade da concretização do que prevê o artigo 5º da Carta Magna que preconiza: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, em relação ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu artigo 6º que estabelece a importância de levar em conta os fins sociais que a lei tem por finalidade, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Além disso, aborda o princípio do melhor interesse das crianças e adolescentes como instrumento basilar na tomada de decisões jurídicas. Amplia a reflexão ao sugerir um olhar mais criterioso no que concerne à escolha de uma família para àquele que está em desenvolvimento, ou seja, que não tem maturidade para se posicionar em relação a algo tão complexo e importante para sua vida.
Com as novas regras de adoção surgiram várias discussões e estudos que visavam o esclarecimento e a aceitação em torno da adoção por casais homoafetivos e uma vez superada a questão da aceitação, por conscientização ou por imposição da norma, surgiu uma nova inquietação no que diz respeito aos interesses que envolvem este tipo de adoção, esta problemática teve abordagens implícitas em outros estudos, mas verificou-se a necessidade de uma abordagem direta o que serviu de motivação para elaboração deste artigo.
O trabalho é composto pela introdução, na qual foi realizada a contextualização da temática, explicitando o objetivo, a organização e a motivação da abordagem do tema em estudo; pelo referencial teórico, que abrange quatro seções: na primeira traz um breve apanhado histórico apresentando como ocorreu o instituto da adoção ao longo da história, na segunda aborda as dificuldades enfrentadas pelos casais homoafetivos e seus interesses, na terceira seção apresenta os interesses das crianças e dos adolescentes e na última  discorre sobre os interesses do Estado.

REFERENCIAL TEÓRICO
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA ADOÇÃO

A prática do instituto da adoção não é novidade, desde a antiguidade todos os povos praticavam a adoção. Esta prática era cercada por inúmeros interesses uma responsabilidade com a garantia do futuro da sociedade e cultura de certos povos, crenças religiosas, atos de solidariedade, caridade, amparo a membros de famílias próximas, consolo aos casais estéreis, obtenção de mão de obra barata dentre outros interesses. Assim, observa- se importantes relatos que demonstram a vetusta inserção de crianças em famílias por meio do afeto ou outros motivos. No Egito, por exemplo, a Bíblia relata a adoção feita pela filha de um Faraó que movida de compaixão decidiu adotar uma criança. Sobre isso, relata a bíblia:

E a mulher concebeu e deu à luz um filho; e, vendo que ele era formoso, escondeu-o três meses.
Não podendo, porém, mais escondê-lo, tomou uma arca de juncos, e a revestiu com barro e betume; e, pondo nela o menino, o pôs nos juncos à margem do rio. E sua irmã postou-se de longe, para saber o que lhe havia de acontecer. E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio, e as suas donzelas passeavam, pela margem do rio; e ela viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que a tomou.E abrindo-a, viu ao menino e eis que o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele, e disse: Dos meninos dos hebreus é este.Então disse sua irmã à filha de Faraó: Irei chamar uma ama das hebréias, que crie este menino para ti?E a filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino. Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o. E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado.
(BÍBLIA SAGRADA, 1990, p.66).

Outro importante documento que comprova tal prática é o código de Hamurabi (1728-1686 a.c.), que destinou à adoção oito artigos que previam punições para os que ousassem retirar a autoridade dos pais adotivos (RAMOS,1994).
A idade Média é marcada por uma significativa queda do instituto da adoção, voltando a ter força novamente em 1804 com o Código Napoleônico da França. Nas famílias ocidentais havia um sistema de lar adotivo que consistia na inserção de crianças de forma temporária em outras famílias, porém, mantendo vínculos legais e emocionais com a família de origem (VILELA, 2016).
No Brasil o instituto da adoção foi incorporado pelo direito português com o advento da colonização e foi regulamentado pelas Ordenações Filipinas, Manuelinas e posteriormente pelas Afonsinas. A maioria das adoções era realizada informalmente e motivadas, principalmente, pela obtenção de mão de obra barata e pela caridade, incentivada neste último caso pela igreja (VILELA, 2016).
Com o Código Civil de 1916 a adoção passou a ter maior formalidade, cuja adoção ganhou relevância no âmbito jurídico, sendo, pois, feita de forma sistematizada seguindo o modelo minus plena dos romanos (VILELA, 2016).

A adoção ganha relevância jurídica e, “traduzindo o ideal republicano de secularização da vida familiar, a adoção, passa a ser disciplinada de forma sistemática, segundo o modelo minus plena dos romanos”. O respectivo código regulamentava a adoção em onze artigos – do 368 ao 378. Por influência da instituição no direito romano no qual o direito português se espelhou, a adoção visava apenas os interesses dos adotantes (Idem,p.1).

Contudo, observa-se que o Código não facilitava o processo de adoção. A adoção tinha característica contratual entre adotante e adotando e era realizada por meio de escritura pública. Era marcante a distinção entre filhos legítimos e adotados. Enfim, o código resguardava mais os interesses do adotante do que do adotando.
A lei 6.697 de 1979 conhecida também por Código de menores resguardava direitos concernentes à proteção de menores em situação irregular, que alcançava casos de infração penal, abandono, desvio de conduta ou falta de representação legal (BRASIL,1979, p.1).
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças para o processo de adoção. Dentre elas, destacam-se o papel da família, do estado e da sociedade explícito no artigo nº 227 dessa lei. Sobre isso, preconiza o referido artigo:

       
A adoção deixa de ter apenas o caráter contratualista como ocorria no Código de 1916 e passa a ter um caráter impositivo, ou seja, passa a ser assistida pelo Poder Público, isto é, o legislador ordinário é quem dita as regras.
O parágrafo 6º do mesmo artigo evidencia uma grande conquista no que tange ao princípio da isonomia ao declarar que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988,p.60).Portanto, percebe-se um grande avanço, já que a legislação anterior considerava mais o interesse do adotante.
Após a Constituição Federal avanços em relação à adoção ocorreram com o a promulgação do novo Código Civil que trouxe no seu capítulo IV artigos dedicados à adoção, porém a maioria desses artigos foi revogada pela Lei nº 12.010, de 2009 e pela Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Permaneceram neste capítulo os artigos 1618 e 1619, conforme se lê a seguir:

Art. 1.618.  A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Art. 1.619.  A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência(BRASIL,2002, p.1).

Como se observa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990 e a lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, passaram a disciplinar mais especificamente este instituto.
O ECA tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, aplicando medidas e expedindo encaminhamentos para o juiz (BRASIL,1990). É o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Regulamenta os direitos das crianças e dos adolescentes inspirado pelos projetos fornecidos pela Constituição Federal de 1988 somado a uma série de regras internacionais tais como: declaração dos Direitos da Criança; regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e da Juventude, mais conhecidas como Regras de Beijing; diretrizes das Nações Unidas para prevenção da Delinquência Juvenil. Por outro lado a lei 12.010/2009 conforme seu artigo 1º dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2009).

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2 ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Na atualidade percebe-se uma dificuldade muito grande em conceituar família, isto acontece devido às inúmeras mudanças que vêm ocorrendo na sociedade que fizeram nascer novas formas de composição familiar. Assim, o modelo de família formada apenas por um homem, uma mulher e seus filhos, foi aos poucos sendo substituído. Uma sociedade não é estática, razão pela qual mesmo com a ausência de leis que disciplinem determinado assunto surgiram novos arranjos familiares que a posteriori foram assegurados pela legislação. Fatos e movimentos sociais foram determinantes para que fossem assegurados os direitos dos casais homoafetivos, porém por muito tempo as adoções utilizaram-se dos princípios constitucionais, dentre os quais se destacam a dignidade da pessoa humana, o interesse da criança e a afetividade, para fundamentar as decisões judiciais.
A adoção por casais homoafetivos percorreu uma longa trajetória marcada por preconceitos e discriminações para efetivar-se. Nos dias atuais, ainda existe uma parcela da população que relutam contra a união homoafetiva. Porém, a Resolução nº. 175 de 2013 que determina que as autoridades (cartórios) não podem rejeitar a celebração do casamento homossexual e nem a conversão da união estável em casamento, foi determinante para que, com a aceitação ou não da sociedade, a união homoafetiva ganhasse garantias legais para fatos historicamente conhecidos.
No Brasil, a publicação da Resolução nº 175/2013, representa uma grande conquista para casais homoafetivos, pois trouxe alterações na estrutura jurídica brasileira no que diz respeito ao casamento e nos conceitos de família. Conforme aborda POZZETTI:

A Resolução n. 175 do Conselho Nacional de Justiça traz alterações na estrutura jurídica brasileira e é necessário refletir sobre os requisitos legais para a celebração do casamento no Brasil. Com isso, sofremos alterações nos conceitos de família, união estável e casamento, trazendo consequências aos sujeitos da relação, gerando benefícios, direitos e obrigações outras, uma vez que a Resolução autoriza o casamento homoafetivo e, dessa forma, o contrato conjugal traz consequências  às relações familiares e econômicas. (POZZETTI; SILVA, 2013, p.1)

Cabe ressaltar que a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos é uma desses direitos adquiridos, pois passaram a gozar em pé de igualdade, dos mesmos direitos dos casais heterossexuais.
Contudo, a partir das garantias legais para a união homoafetiva iniciou-se uma nova e inevitável batalha para este novo modelo de composição familiar. Esta união sofre limitações e a composição de famílias constituída por dois homens ou por duas mulheres estaria fadada a uma formação reduzida aos consortes. O casal, por questões biológicas, deparou-se com a impossibilidade da ampliação familiar. Neste contexto, não deveria o casal aceitar as limitações do corpo e a impossibilidade da prole como consequência de sua escolha? Sobre isso o artigo de Lara Spelta de Souza (2017) Aspectos legais e Sociológicos da adoção”, mostra que não apenas casais homoafetivos sofrem esta limitação, e que existe na adoção uma alternativa de superação desta situação.

[...] Ao se descobrir a infertilidade, e mesmo com os tratamentos e avanços da medicina não se consegue atingir a gestação sonhada, muitas pessoas buscam na adoção uma forma de compensar essa impossibilidade fisiológica, projetando no filho adotivo a mesma idealização do biológico. No mundo perfeito o filho adotivo sairia da barriga de sua genitora imaculado, diretamente para os braços dos pais adotivos, para que todo o vínculo fosse construído com o casal (Idem,p.1).

A paternidade e a maternidade preenchem um vazio intenso, é como um desdobramento da existência. O sentimento de vazio, a vontade de ampliação da família leva casais homoafeivos a buscarem na adoção a solução para suas necessidades de se tornarem pais ou mães.
A adoção é bem vista pela sociedade, pois forma um vínculo não só jurídico como também afetivo. É o meio legal de oferecer a uma criança ou adolescente, que por algum motivo ficou privado da sua família biológica, uma nova chance de ser inserido e um ambiente familiar, de amor, carinho e compromisso, porém quando se trata de adoção por casais do mesmo sexo a aceitação por parte da sociedade não é a mesma.
Diante do exposto, convém destacar que a Constituição Federal prevê a igualdade entre todos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(BRASIL 1988, p. 8).

Nesse diapasão verifica-se que não é possível diferenciar os casais homossexuais dos heterossexuais no que diz respeito à adoção.
Fato é que existe um grupo que defende a adoção por casais homoafetivos com argumentos de que o importante é a existência de afeto entre adotantes e adotandos e que é bem melhor uma criança ou adolescente ser adotado por um casal homoafetivo do que viver no abandono. Outro grupo não aceita esse posicionamento e se apóia em justificativas que perpassam por preocupações com os aspectos psicológicos do adotando. Colocam em reflexão como será para as crianças e adolescentes viverem e desenvolverem-se em um lar onde não há a referência materna e paterna uma vez que esta preocupação, durante muito tempo, foi tema de estudos de psicólogos, psiquiatras e educadores que sempre ressaltaram a importância da presença do homem e da mulher, como referencial de pai e mãe, para a influência saudável no desenvolvimento do menor. Sobre isso, é pertinente a contribuição Analice de Jesus Araújo Nascimento em seu artigo “Possíveis Consequências da Terceirização das Funções Materna e Paterna para a Formação da Criança” que traz posicionamentos de psicólogos, psiquiatras que declaram:

A criança para se desenvolver e sobreviver necessita de cuidados desde o nascimento, e são os pais que representam o principal vínculo com o filho, por isso é importante que os cuidados sejam dados por eles. Dessa maneira, segundo Winnicott (2001) a ausência da mãe, seja fisicamente ou por um não cuidado afetivo suficiente, pode prejudicar a criança e comprometer o seu senso de realidade. Assim, como afirma Rhode (2000), a figura paterna é fundamental para que as relações triangulares edípicas sejam vivenciadas, ou seja, a ausência ou presença inadequada do pai pode influenciar negativamente o desenvolvimento emocional (NASCIMENTO, 2016, p.1)

O grupo contrário a adoção homoafetiva sinaliza uma preocupação em relação à possibilidade da adoção, por casais homoafetivos influenciar na identificação de gênero de crianças e adolescentes.
Os defensores da adoção homoafetiva rebatem este argumento evidenciando que em famílias formadas por casais heterossexuais também existem filhos homossexuais, ou seja, para eles a identificação de gêneros dos pais não influencia os filhos. Já a outra corrente defende que, como os pais são referências para os filhos estes serão influenciados a tornarem-se homossexuais pela ausência de uma das figuras (materna ou paterna) ou pelo comportamento do casal.
Contudo, percebe-se que não há um consenso e que parcela da sociedade ainda não está preparada para mudanças de paradigmas tão fortes que permearam a vida dos seres humanos por tanto tempo.

3 INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A adoção é uma medida de proteção às crianças e adolescentes, a adoção por homossexual ou heterossexual não traz total garantia de que a criança sempre será inserida em um lar onde haja respeito, lealdade, assistência mútua, amor carinho e compromisso dos membros da família, porém é o que se almeja, e para isso faz-se necessário a adoção de critérios rigorosos para minimizar ao máximo a probabilidade de uma adoção catastrófica uma vez que o instituto da adoção é irrevogável.
O número de crianças e adolescentes que esperam por serem adotados é imenso, e justamente por isso que muito se tem discutido sobre a possibilidade ou não da adoção por casais homoafetivos. Porém a quantidade de crianças que esperam por adoção não pode ser fator de maior peso na hora de se decidir por adoção por casais homoafetivos, como se as crianças e adolescentes fossem engodos utilizados pelo estado com o intuito de livrar-se de sua responsabilidade, ou seja, não se pode decidir por uma adoção por casais homoafetivos por se julgar que é melhor esta adoção do que crianças e adolescentes ficarem em abrigos.
Toda espécie de adoção deve cumprir o seu o fim social, mas sempre respeitando às exigências do bem comum, sobretudo a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, como estabelece o artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste diapasão, deve-se considerar prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, ou seja, o importante é encontrar uma família que seja adequada às crianças e aos adolescentes e não crianças e adolescentes que sejam adequadas às necessidades de pais ou mães.
No entanto, torna-se difícil garantir o atendimento do melhor interesse da criança uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 28 parágrafo § 2 o estabelece que “Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência” e nos demais casos a criança, sempre que possível, será ouvida.
Outro fator que dificulta a prioridade do interesse dos menores é que  maioria dos que se encontram disponíveis para a adoção foram vítimas de maus tratos e abandono, e  vêm-se obrigados a aceitar a primeira possibilidade de mudar a  realidade em que se encontram, mesmo que não seja para fazer parte de uma família nos moldes em que sonharam. A situação, o meio em que vivem fazem com que eles se agarrem, aceitem o que lhes é colocado como alternativa muitas vezes não vistas por eles como a melhor opção, mas como a única.
Questão um tanto contraditória também aos interesses dos menores é que segundo o mesmo artigo, no § 4º irmãos devem ser colocados sob guarda na mesma família, porém muitas vezes ocorre que a família que é de interesse para uma criança não é de interesse para seus irmãos e estes se vêm obrigados a aceitar como se todos fossem apenas um. É o que mostra o referido artigo:

Art. 28. § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (BRASIL 1988, p. 1)

4 INTERESSE DO ESTADO

São inúmeras as dificuldades encontradas por casais ou indivíduos solteiros interessados na adoção de crianças ou adolescentes, dentre elas destaca-se a demora nos trâmites.  Hodiernamente, a duração do processo de adoção é de aproximadamente dois anos. A demora tem justificativas pautadas em rigorosos critérios formais que visam assegurar que a inserção da criança ou adolescente em uma nova família seja a mais certeira possível, pois trata-se de decisão irrevogável que tem por objetivo selecionar e encaminhar crianças e adolescentes a uma família que terá que ter compromissos com a criação destes sem cogitar a possibilidade de desistência, pois segundo o artigo 30 do ECA “ A colocação em família substituta não admitirá transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamentais ou não-governamentais, sem autorização judicial (BRASIL,1990).
A burocracia do processo muitas vezes apresenta-se como um óbice para a adoção fazendo com que exista um pressuposto, por parte da sociedade, de que o Estado tem mais interesse em atrapalhar o processo do que de facilitar.
No entanto, observa-se que o Estado tem muito interesse na adoção devido principalmente a questões econômicas. Vale ressaltar que a problemática abordada atinge mais os países pobres. Na comparação entre países de primeiro e do terceiro mundo, observa-se que os primeiros apresentam alta taxa de desenvolvimento somada com baixa taxa de natalidade em detrimento aos países do terceiro mundo que acumulam alta taxa de natalidade com baixo índice de desenvolvimento. Vários são os aspectos que envolvem a adoção nos países com baixo nível de desenvolvimento, dentre eles destacam-se os econômicos, sociais e culturais.
Segundo Caio Lencioni (2018), atualmente 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil. Em seu artigo Lencioni apresenta dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mostram que deste total apenas 8.420 crianças e adolescentes estão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), ou seja, apenas 17,8% estão aptas a encontrar uma nova família.
Os recursos financeiros “para a criação e manutenção de ações específicas dos abrigos são firmados com Poder Executivo das esferas municipal, estadual e federal”. As entidades de abrigos governamentais ou não governamentais, conforme artigo 95 do ECA, são fiscalizadas pelo poder judiciário (juízes e profissionais da área da infância e da juventude), pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar. Podem ainda serem fiscalizados por outras instituições que assegurarão o funcionamento adequado e dentro dos padrões exigidos por lei.
Além do envolvimento de várias instituições, os abrigos recebem recursos financeiros de acordo com as atividades desenvolvidas, o que dificulta a mensuração do gasto que os abrigos têm com o público que atende.
Desta forma, o Estado para cumprir sua responsabilidade, assegurada pelo artigo 227 da Constituição Federal, que visa garantir os direitos fundamentais da criança e adolescentes e tem também o compromisso de fiscalizar instituições e ofertar condições de vida com dignidade, necessita dispor de valores altíssimos o que o leva a duas opções, a primeira é realizar o retorno das crianças e adolescentes para as famílias biológicas,mas quando isto não ocorre, parte para a  segunda opção, a inserção em uma família substituta que é sem dúvida a opção mais vantajosa. De uma forma ou de outra o Estado visa à transferência de sua responsabilidade e de suas despesas para famílias biológicas ou adotivas. 

METODOLOGIA

Optou-se pela pesquisa bibliográfica, pois sua finalidade “[...] reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente [...] (GUIMARAES, s.d., p.1). Outra grande contribuição da pesquisa bibliográfica está no fato dela ser “é indispensável para a realização de estudos históricos” (Idem, p.1).
A pesquisa bibliográfica foi feita a partir da seleção de artigos científicos da internet, de livros do meu acervo pessoal e da biblioteca da Faculdade da Amazônia Ocidental (FAAO). A escolha do material bibliográfico foi feita a partir da seleção de autores e referencias que discorrem sobre a temática em questão, sendo feita inicialmente a seleção de autores e temáticas para posteriormente sistematizar por meio de fichas o material que fundamentou a pesquisa bibliográfica.

CONCLUSÃO

Verificou-se, ao longo da história, que nem sempre o interesse da criança e do adolescente foi atendido, já que prevaleceram sempre a intenção do estado e dos adotantes por muitos séculos. E embora a CF determine a garantia de direitos para que possa atender os interesses dos menores, na prática não se torna exequível, já que esse público não tem direito à escolha do tipo de família que o acolha. E visando aprofundar o tema em questão, sugere-se a abordagem de novos estudos bibliográficos e, também, de pesquisa de campo partindo da análise do ponto de vista dos efeitos psicológicos e emocionais por parte do adotado. Todavia, não se pode perder de vista pontos relevantes como: Os interesses dos três envolvidos nesse processo: adotando, adotante e Estado, as consequências da adoção para os envolvidos, entre outros aspectos.
Esse estudo é de grande relevância para literatura local e nacional uma vez que dispõe de poucos estudos bibliográficos e de campo relacionados à temática em questão sendo, portanto, uma rica fonte de pesquisa para estudiosos que desejam propor reflexões como: Uma abordagem histórica da adoção considerando os interesses do Estado e do adotante chegando até os interesses do adotando por meio da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do adolescente. Além disso, a pesquisa mostrou o interesse dos pais em suprir uma carência própria por meio da adoção, o interesse do Estado em transferir sua responsabilidade com as crianças para família de composição homoafetiva e os interesses dos menores que, mesmo com os avanços da legislação, ainda sofrem limitações por parte da burocracia do processo e  em detrimento dos interesses do Estado e dos adotantes.



REFERÊNCIAS

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*Acadêmica do curso de Direito da FAAO.


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