terça-feira, 19 de novembro de 2019

ADOÇÃO AVOENGA: O MELHOR INTERESSE DO MENOR X FORMALIDADE

Maria Yasmim Lourrandra Mendes de Castro*
                                             Professor Clóvis Augusto Alves Cabral



RESUMO:
O presente artigo aborda as exceções trazidas pela jurisprudência brasileira em relação a adoção de netos por avós, caso que, em regra, é vedado pelo §1º, artigo 42º, do ECA, que analisa isoladamente e afasta do todo o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, onde os avós, jamais, poderiam adotar seus netos.  Desse modo, não basta ao Art. 42, §1º, do ECA dizer que não podem adotar os ascendentes. É necessário, sim, que, diante da análise de cada caso concreto (fato da vida), em cotejo com todo o ordenamento positivo pátrio, o juiz obtenha a norma restritiva – e não a lei! – que vede essa pretensão, quando for o caso, quando dita adoção contrariar os interesses superiores do menor.

Palavras- chave: ECA. Interesse do menor. Avós. Socioafetividade. Impedimento.
ABSTRACT: This article deals with the exceptions brought by the Brazilian jurisprudence in relation to the adoption of grandchildren by grandparents, in case, as a rule, it is forbidden by §1º, article 42, of the ECA, which analyzes in isolation and departs from the whole constitutional and infraconstitutional legal system. where grandparents could never adopt their grandchildren. Thus, it is not enough for Art. 42, §1 of the ECA to say that they cannot adopt ascenders. It is necessary that, in the face of the analysis of each concrete case (fact of life), in comparison with all the positive homeland order, the judge obtains the restrictive norm - not the law! - to see this claim, when appropriate, when it is adopted, which is contrary to the best interests of the minor.
Keywords: ECA. Interest of the minor. Grandparents. Socioaffectivity.

1 INTRODUÇÃO:

A Constituição Federal de 1988, em seu dispositivo 227, prevê o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, onde o constituinte estabelece o dever da família , da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Entretanto, com base no brilhante texto da carta magna, que a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescentes) inspirou- se a aplicar meios de adoção de crianças e adolescentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Porém, existem regras no Estatuto que impedem crianças e adolescentes de serem adotadas por seus avós (art. 42, § 1º), regra esta que muitas vezes acaba não atendendo o melhor interesse do menor.

Assim, procura- se entender o porque de tal impedimento pelo legislador, quais motivos o levaram a esta conclusão de que avós não poderiam adotar os netos e te- los como se filhos fossem, como os operadores do direito pensam em relação a restrição imposta pelo legislador, a mitigação ou não desta regra em relação ao que mais interessa ao menor e também, o papel do Ministério Público ao analisar cada caso concreto.

Neste diapasão, serão empregadas pesquisas em doutrinas, internet e jurisprudências sobre casos relacionados a infância e juventude com a intenção de fazer com que haja reflexão sobre casos corriqueiros no ordenamento jurídico brasileiro.

Primeiramente, serão comentadas sobre o direito da criança e o seu direito a convivência familiar que atenda melhor o seu interesse, sempre colocando a frente o princípio da proteção integral e, claro, a dignidade da pessoa humana.

Assim, serão estudadas espécies de parentesco, principalmente o socioafetivo, quando trata- se de posse de estado de filho.

Em seguida, comentarei sobre a possibilidade de avós adotar seus netos. Entretanto, será pesquisado o porque de o legislador vedar tal adoção prevista no art. 42, 1º§, do ECA, também serão analisados o que a doutrina defende e o pensamento do autor sobre o tema em tela, seja ele a favor ou contra, também a análise da jurisprudência brasileira em cada especifico.

Por conseguinte, a importância de reunir vários profissionais como, assistentes sociais, pedagogos e psicólogos, cujo o objetivo é único, analisar cada caso concreto juntamente com o Poder Judiciário e o Ministério Público, sempre em busca do melhor interesse do menor.

Por fim, buscar- se- à uma solução para a problemática, juntamente com a opinião de equipes interprofissionais, cujo o objetivo é ao menos mitigar tal problemática sempre em busca da felicidade, do melhor interesse da criança ou do adolescente.

Analisaremos, também a atuação e a importância do Ministério Público sobre casos concretos que chegam até o órgão para analise, bem como a legalidade obedecendo sempre o melhor interesse.

O presente artigo ao abordar tal tema relacionado ao Direito de Família e as diversas espécies de forma de filiação, bem como relações socioafetivas, não procura esgotar esses temas, mas sim buscar o porque de tal impedimento do art. 4º, 1§ do ECA.

2- O DIREITO A CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A Constituição Federal antes tinha a criança e o adolescente como meros objetos de proteção, agora passando a adotar o princípio da proteção legal tornando-os sujeitos de direito.

Em seu artigo 227 explicitou vários direitos fundamentais, como direito a vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao lazer à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e o assunto principal do estudo ‘’À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, CABENDO À FAMÍLIA, À SOCIEDADE E AO ESTADO ASSEGURÁ-LOS COM ABSOLUTA PRIORIDADE’’.

Vale ressaltar que, o legislador não direcionou a um certo grupo ou pessoa determinada tal proteção e ABSOLUTA PRIORIDADE. Assim, pode- se concluir que, além da referida proteção integral, o artigo ressalta o princípio da absoluta prioridade a criança e ao adolescente.

Mesmo que o constituinte tivesse sido omisso para com tal tema discutido, ainda sim seria possível verificar que o direito fundamental à convivência familiar das crianças e adolescentes, decorre da dignidade da pessoa humana, sendo este o principal direito protegido pela Constituição Federal da Republica no artigo 1º, III.

Fora da constituição encontra- se este direito resguardado pelo ECA nos artigos 4º, 19º e 100, parágrafo único, X, e pelo art. 8.1 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Adolescente, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710/90.

Entretanto, analisando tal questão, ressaltasse a preocupação do legislador ao elaborar leis que protejam crianças e adolescentes quando trata- se da convivência familiar, tendo em vista o desenvolvimento de sua personalidade e caráter para tornarem- se adultos do bem, garantindo uma sociedade melhor.

Sabe- se que o Estatuto da Criança e do Adolescente presa pela convivência junto a ‘’família natural’’, que é aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Por conseguinte, o Estatuto ressalta a possibilidade da criança e do adolescente serem inseridos em família substituta, sejam com guarda, tutela e adoção previstas no artigo 28 da Lei nº 8.069/90). Sendo assim, o sistema legal não esgotou as diversas modalidades de entidades familiares encontradas na lei. Entretanto, este é apenas um rol exemplificativo e não taxativo, sabendo- se que várias outras espécies de famílias já foram aceitas e protegidas pelo Estado, como famílias homoafetivas, anaparental, pluriparental etc.

Neste diapasão, sabe-se que a sociedade está em constante mudança, sendo necessário que o legislador adapte-se a ela, no próprio artigo 5º , II, da Lei nº 11.340/2006 diz que a entidade familiar é ‘’uma comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

O afeto é que deve- se observar além de tudo, pois ele é o elemento principal para um convívio saudável e feliz nas famílias.

Como explana Maria Berenice Dias, que o afeto o verdadeiro direito fundamental, e que ‘’o novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais, sustentando-se no amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto’’.

Também ressalta Rosana Barbosa Cipriano Simão ‘’a socioafetividade enseja efeitos jurídicos: seja para configurar relações seja para configurar responsabilidades’’.
Na mesma linha de pensamento Flavio Tartuce afirma que ‘’a efetividade é princípio jurídico, gerando consequências concretas para o Direito privado, ao contrario do que muitos possam pensar’’.

Observa- se que é assim que parte da doutrina e a jurisprudência defende que quem responsabiliza- se pelo abandono moral ou afetivo é o genitor ou a genitora.

3- ADOÇÃO AVOENGA E A VEDAÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 42,1§, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na sociedade moderna a adoção surgiu como intuído de dar filhos a quem não pode gerá- los ou mesmo que pudessem, optarem pela adoção, assim, gerando um vinculo de filiação, formando o parentesco civil. Entretanto, analisa- se se os adotantes se encaixam nos requisitos explanados pelo ECA, preenchidos tais requisitos, encaminha- se para o judiciário para que constitua- se o parentesco civil, o qual deverá seguir as normas contidas no artigo 47 daquele diploma legal.

Por conseguinte, a criança ou adolescente torna-se verdadeiro membro da família, passa a ter os mesmos direitos e deveres como se de sangue fossem assim rompendo os laços com os verdadeiros pais e parentes.

De outro lado, demais modalidade de inserção da criança e adolescente em família substituta -guarda e tutela- que ao contrário da adoção, onde o adotado tem a proteção plena e integral, essas demais modalidades são totalmente inferiores tendo somente alguns destes atributos.

3.2 A LEGITIMIDADE DOS ASCENDENTES PARA FINS DE ADOÇÃO

Sabe-se que existem duas formas de impedimento para adoção: parcial e total.
O parcial é aquele impedimento que pode ser suprimido, como ocorre com os tutores ou curadores que pretendam adotar e, por força da regra do art. 44 do ECA deverão prestar contas de sua administração e saldar o seu alcance para, somente então, tornarem- se legítimos a pleitear adoção.

Já o impedimento total, é aquele que o legislador não previu a possibilidade de superação, estando disciplinado no artigo §1, do ECA, que veda expressamente a adoção por quem for ascendente, evitando- se indesejadas inversões e confusões nessas relações, especialmente no que tange às questões patrimoniais, sucessórias e referentes ao impedimentos matrimoniais.

Valter Kenji Ishida ressalta que antes do ECA, os tribunais permitiam a adoção de netos pelos avós, sob o argumento de que a adoção deveria ser facilitada. Entretanto, diz que a partir do surgimento deste impedimento legal contido no artigo 42, 1§ do ECA este entendimento não deve mais prevalecer. O autor diz que seria possível adoção por avós por afinidade, fazendo o uso da analogia.

O recurso especial nº 1.448.968- SC, em 21 de outubro de 2014 e publicado no informativo nº 551 da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça analisou o caso concreto da pretensão dos pais de uma criança por eles adotada que no ato da adoção ela já estava gestante aos 8 anos de idade.

Bem como um caso julgado em 1996(Recurso Especial nº 76.712/GO), restou evidenciado nos autos eu os avós sempre exerceram a função de pais do neto, que fora criado como verdadeiro irmão (e não filho) de sua genitora, caracterizando, caracterizando,  assim,  o  vínculo  de filiação  socioafetiva,  de  modo  que  a  adoção  visava  apenas  regularizar  uma  situação  fática preexistente desde o nascimento do adotando, que já contava com 16 anos de idade à época do julgamento. Desta vez, no entanto, a Terceira Turma do STJ, de forma unânime, optou por prestigiar o contexto fático do caso concreto, relativizando a proibição legal contida no art. 42, §1ºdo ECA para deferir a adoção do neto aos avós.

4- IMPRESCINDIBILIDADEDA ATUAÇÃO DA EQUIPE TÉCNICAINTERPROFISSIONAL

Seria deveras ingênuo acreditar que toda e qualquer pretensão de adoção veiculada por ascendentes  em  prol  de um descendente será  fundada  nos  motivos  legítimos  exigidos  pelo artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Muitas  vezes,  a  pretensão  adotiva  poderá  mascarar  um  interesse  puramente  material, com  o  único  intuito  de  conferir  ao  neto  adotando  a  situação  de  dependente  apenas  para obtenção  de  benefícios  previdenciários,  ou  para  reduzir  a  legítima  dos  demais  herdeiros necessários do adotante em eventual sucessão, sem que haja, de fato, uma relação de filiação socioafetiva entre os avós e o neto.

Nesta hipótese, restaria inequivocamente evidenciada a intenção de burla à vedação legal contida no §1º do art. 42 do ECA para se obter uma adoção fundada em fins ilegítimos, isto é, que não traria reais vantagens à criança ou adolescente.  Tal  pretensão,  naturalmente, estaria    fadada    ao    insucesso,    conforme     tranquilo    entendimento    doutrinário57e jurisprudencial58.Todavia, não se deve tomar a exceção –a propositura de demanda adotiva desvirtuada de sua nobre função –como a regra, devendo prevalecer a máxima do Direito de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé deve ser comprovada. Assim, nas ações de adoção propostas pelos avós em favor do neto, sempre deverá ser perquirido  se,  naquele  caso  concreto,  a  medida  se  destina  a  regularizar  uma  situação  fática socioafetiva    consolidada,  ou  se  visa  apenas  a  satisfazer  um  aspecto  patrimonial  dos envolvidos. Ocorre,  entretanto,  que  magistrados,  membros  do  Ministério  Público,  advogados  e defensores públicos, não reúnem condições de, por si sós, realizarem tal investigação em cada demanda  submetida  à  apreciação  do  Judiciário,  uma  vez  que,  regra  geral,  não  possuem  a expertise  necessária  para  tanto,    que  a  formação  jurídica  não  engloba  necessariamente aspectos da psicologia, assistência social e pedagogia. 

Essa questão foi observada por Rosana Barbosa Cipriano Simão, para quem “os diversos aspectos do Direito de Família sofrem interferências dos sentimentos das pessoas que protagonizam contendas jurídicas.  A questão da afetividade assume papel central e, por envolverem   questões   de   ordem   psicológica, demandam   a   coparticipação   de   juristas, psicólogos e assistentes sociais que, de mãos dadas, tem o compromisso com a busca da verdade real”

Não é por outra razão que a Lei n 8.069/90 prevê, em seus artigos 150 e 151 a necessidade de o Poder Judiciário ser aparelhado com equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude, através da elaboração de laudos técnicos para subsidiar a formação da convicção do Juízo. Saliente-se  que  a  referida previsão  vai  ao  encontro da regra    16.162das  Regras  de Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da justiça da Infância e da Juventude),  que  trata da relevância  dos  denominados  relatórios  de  inquérito  social  para facilitar  o  julgamento  do  caso  pelo  magistrado,  que  são  justamente  os  relatórios  técnicos, geralmente  psicossociais,  elaborados  pela  equipe  multidisciplinar  do  Juízo,  composta  por psicólogos e assistentes sociais. 

O    Estatuto da Criança e do Adolescente exige a confecção de estudos técnicos pela equipe interprofissional nas ações de destituição de poder familiar (art. 161, §1º), nas hipóteses de colocação de criança ou adolescente em família substituta (art.  167), nos procedimentos de apuração de prática de ato infracional por adolescente (art. 186, §4º) e nos de habilitação de pretendentes à adoção (art. 197-C). A  atuação  da  equipe  técnica  multidisciplinar,  seja  a  do  Juízo  da  Infância,  seja  a pertencente   aos   quadros   do   Ministério   Público,   do   Conselho   Tutelar,   da   unidade   de acolhimento institucional onde eventualmente o infante esteja abrigado, ou de qualquer outro órgão  integrante  da  rede  de  atendimento  infanto-juvenil,  possui  enorme  importância,  não apenas  nas  hipóteses  expressamente  mencionadas  pelo  Estatuto,  mas  na  quase totalidade  de procedimentos envolvendo os interesses de crianças e adolescentes. 

Através   de   visitas   domiciliares,   entrevistas   com   os   personagens   diretamente envolvidos e  pessoas  próximas,  dentre  outras  técnicas,  esses  profissionais  verificarão  o contexto fático  que  circunda  cada  caso  concreto  submetido  à  apreciação  do  Judiciário,  de modo  a  aferir,  por  exemplo,  a  caracterização  de  relação  de  filiação  socioafetiva  e  se  a pretensão veiculada em determinada demanda atende aos anseios e apresenta real vantagem a um infante. 

Trata-se, na verdade, de apoio extremamente importante e salutar, quiçá imprescindível, para amparar a prolação da decisão que melhor atenda aos interesses de crianças e adolescentes nos casos concretos.  Por isso, Rosana Barbosa Cipriano Simão conclui que “a união de esforços, técnicas e expertises de juristas e psicólogos é uma decisão de inteligência e é uma caminhada que conduz inexoravelmente  ao  melhor  final  (feliz ou não!) que cada caso que demanda uma solução jurídica pode alcançar”.

5- O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Apesar   de   a   defesa   dos   direitos   da   comunidade   infanto-juvenil   não   ter   sido expressamente  elencada  como  função  institucional  do  Ministério  Público  no  rol  previsto  no artigo  129  da  Constituição  Federal,  esta  pode  ser  facilmente  extraída  da  norma  contida  no artigo  227,  que  prevê  que  tais  direitos  devem  ser  assegurados  com absoluta  prioridade,  não apenas pela família, mas também por toda a sociedade e pelo Estado. 

Para  Emerson  Garcia,  “a  prioridade  absoluta,  como  não  poderia  deixar  de  ser, alcançará  a  atividade finalística  do  Ministério  Público,  tendo  a  instituição  o  dever  de,  em primeiro  plano,  adotar  as  medidas  correlatas  ao  seu  âmbito  de  atuação  funcional  que tangenciem a esfera jurídica das crianças e dos adolescentes”78.Já no plano infraconstitucional, a atuação do Ministério Público em prol dos interesses dos infantes é extraída do art. 5º, III, „e‟,  da Lei  Complementar    75/9379;  do  art.  25,IV, „a‟, da Lei n 8.625/9380; do art. 201, III e VIII, do ECA81; e dos artigos 17682e 178, II83, do Código de Processo Civil. Importante destacar  que,  com  o  regime  constitucional  inaugurado  a  partir  de  1988, o Ministério  Público  passou  a  ter  uma  função  proativa  voltada  para  a  efetiva  solução  dos problemas sociais e pela  incansável defesa dos direitos  individuais indisponíveis, coletivos e difusos, dentre os quais se destacam os direitos das crianças e adolescentes. Por  isso  nos  causou  enorme  perplexidade  constatar  que  os  dois  casos  concretos analisados   neste   trabalho   (Recurso   Especial      76.712/GO   e   Recurso   Especial   nº 1.448.969/SC)  foram  submetidos  à  apreciação  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  por  força  de recursos interpostos pelo Ministério Público Estadual. Em ambos os casos, restou constatado pela equipe interprofissional do Juízo da infância que a adoção do neto pelos avós atenderia ao melhor interesse daquele, em razão do vínculo de parentalidade socioafetiva já construído entre os personagens envolvidos. 

O Juízo, então, levando em consideração os fins sociais e a condição peculiar do infante como pessoa em desenvolvimento (art.  6º do ECA), julgou procedente o pedido, relativizando, assim, a vedação contida no art. 42, §1º, do Estatuto. Irresignado, no entanto, o Ministério Público interpôs recurso de apelação buscando a prevalência do referido impedimento legal e, quando teve seu apelo desprovido pelo Tribunal de  Justiça,  interpôs  novo  recurso,  desta  vez  ao  Superior  Tribunal de Justiça,  com  igual pretensão, obtendo “êxito” em um (Recurso Especial nº 76.712/GO) e “insucesso” no outro (Recurso Especial nº 1.448.969/SC).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal definiu, em seu artigo 227, que as crianças e adolescentes ostentam uma série de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, que devem ser assegurados pela família, sociedade e Estado, incluindo-se, aqui, o Ministério Público. Mais do  que  isso,  o  legislador  constituinte  fixou  que  crianças  e  adolescentes  receberão  um tratamento de absoluta prioridade, o que significa dizer que quando seus direitos se chocarem com  os  de  adultos,  deve-se  observar  o  mandamento  constitucional  e  fazer prevalecer  o interesseinfanto-juvenil.

Com  o  reconhecimento  do  afeto  como  elemento  fundamental  e  imprescindível  das relações familiares, passou-se a prestigiar e atribuir efeitos jurídicos aos vínculos decorrentes da   socioafetividade,   inclusive   para   fins de   constituição   da   chamada   parentalidade socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.

Todavia,  em  que  pese  ser  admitido  pelo  ordenamento  jurídico  que  uma  pessoa completamente estranha, sem qualquer  vínculo consanguíneo com o  infante, seja constituído pai  ou  mãe,  de  forma  contraditória,  impede-se  que  o  mesmo  ocorra  entre  determinados parentes  que  apresentam  vínculo  consanguíneo  entre  si,  conforme  se  observa  da  regra restritiva contida no art. 42, §1º, do ECA, que proíbe os avós de adotarem os netos. 

Malgrado  o  entendimento   no  sentido  de  que  a  referida   vedação  configura  um impedimento total e intransponível à adoção, entendemos que a restrição deve ser interpretada levando-se em consideração os fins sociais e a condição peculiar do infante como pessoa em desenvolvimento, nos termos do art. 6º do ECA. 

Ora,  não    como  conceber  que  o  diploma  legal  criado  para  entregar  uma  proteção integral à  criança  e  ao  adolescente traga em  seu  bojo  uma  regra  restritiva apriorística, criadora  de  embaraços  insuperáveis  ao  direito  constitucional  e prioritário ao  convívio familiar, ignorando as peculiaridades do caso concreto e cerrando os olhos para a solução que realmente atende ao melhor interesse de determinado infante em particular. 

O significado da norma restritiva contida no art. 42, §1º, do ECA, deve ser alcançado de forma coerente com todo o ordenamento jurídico, através de uma interpretação sistemática com  as  demais  normas  que  compõem  o  próprio  Estatuto,  bem  como  com  os  princípios  e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. 

Destarte,  nas  hipóteses  em  que  ficar  devidamente  evidenciada  a  posse  de  estado  de filho dos avós com relação ao neto, havendo estudo técnico interprofissional atestando que a medida  atende  aos  anseios  daquela  criança  ou  adolescente, a  situação  fática  deverá  ser prestigiada em detrimento da norma fria e distante extraída do §1º do art. 42 do ECA. 

Em  casos  tais,  a  balança  dos  interesses  em  conflito -de  um  lado,  a  preservação  dos graus  de  parentesco  e  das  questões  sucessórias  e  patrimoniais  e,  de  outro,  a  plenitude  dos direitos da personalidade,  do  sentimento  de  pertencimento  ao  núcleo  familiar  e  da própria dignidade humana da criança ou adolescente –deverá sempre pender a favor deste, ou seja, a favor do melhor interesse do infante. Não  podemos  olvidar  que  a  adoção  apresenta  enormes  vantagens  para  uma  criança. Uma delas é trazer ao mundo jurídico uma relação familiar que já existe no mundo dos fatos, conferindo juridicamente a condição de filho a quem já se comporta e se compreende dessa maneira.   

Além   disso, a   adoção   confere   maior   proteção   ao   infante, com   os   efeitos previdenciários, sucessórios e civis daí decorrentes. Deixar a criança em guarda, ao invés de adoção, é relegá-la a um  vínculo jurídico  frágil  e  precário,  sem  maior  segurança  jurídica, rejeitando  injustamente  a  constituição  de  uma  paternidade  e  maternidade    externada socialmente e afetivamente. Por  isso,  não    mais  espaço  para  que  o  Ministério  Público  atue  como  mero fiscalizador  da  correta  aplicação  das  leis,  inclusive  daquelas  injustas,  devendo  assumir  sua função essencial à justiça, interferindo positivamente na realidade social e, através do exame do conteúdo ideológico das normas jurídicas, dar prevalência para a efetivação daquelas que signifiquem a concretização dos interesses das crianças e adolescentes, na medida da absoluta CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.prioridade constitucional a estes atribuída. 

Não se trata de pregar uma liberação descontrolada da adoção entre parentes, nem de incentivar   a   celeuma   entre   as   relações   de   parentesco,   e   tampouco   uma   desvairada desobediência  legislativa.  Muito pelo contrário. A solução pela mitigação da vedação legal deverá ser sempre baseada nas peculiaridades do caso concreto, amparada em elementos técnicos produzidos nos autos pela equipe interprofissional e fundamentada nas regras de interpretação e integração das normas jurídicas, bem como  nos  direitos  fundamentais  e princípios previstos na Constituição da República. 

Conferir a adoção nestes casos, repise-se, é questão não apenas de conferir    direitos por uma relação já existente entre os envolvidos, como também uma questão de dignidade, permitindo que um filho socioafetivo seja reconhecido como tal.

*Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental - FAAO.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da família:principais e operacionais. Disponível em: . Acesso em: 10 de agosto de 2019.
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas–limites e possibilidades da Constituição brasileira.7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil–Famílias.v. 6, 7. ed. São Paulo: Atlas,2015.
FELIPE, Jorge Franklin Alves. Adoção, guarda, investigação de paternidade e concubinato.7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
FRIEDE, Reis. Interpretação da norma jurídica.Revista Tributária e de Finanças Públicas. v. 15, 1996.

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