Suelange Gomes Horácio*
Este trabalho
trata da possibilidade da adoção por casais homoafetivos como um direito do
casal, bem como da criança e do adolescente. Ao longo dos anos o direito
evoluiu para atender aos anseios da sociedade. O reconhecimento do casamento
entre pessoas do mesmo sexo, pelo Supremo Tribunal Federal, trouxe novos
questionamentos, sendo que tal fato motivou a abordagem do tema em estudo que
objetiva elucidar de quem é o interesse na formação deste novo modelo de
constituição familiar. No Brasil, ainda existe uma resistência muito grande,
por parte de uma parcela da sociedade no que tange à adoção por casais
homoafetivos e discussões a respeito da possibilidade de uma criança conviver
com duas mulheres ou dois homens como seus pais têm sido cada vez mais
frequentes. Os defensores da adoção homoafetiva utilizam-se do argumento deque
de fato o que deve ser observado é o amor entre os pais e o filho e,
principalmente, o melhor interesse do menor. No entanto, esta pesquisa de
caráter bibliográfico comprovou que nem sempre é atendido o interesse das crianças
e adolescentes uma vez que prevalece em muitas ocasiões os interesses do Estado
e dos adotantes.
Palavras-Chaves: Adoção,
Direito das Crianças e adolescentes, Homoafetividade.
ABSTRACT
This paper is abaut the possibilities of adoption by homo-affective
couples as a right of the couple and as well as right of the child and adolescent.
Over the years the right of the child has been evolved to meet the eagerness of
society. The aprova lofsame sex marriage by the Federal High Courts bought new
perspectives which motivated this study with the aim of elucidating the
interesting party in this new family constitution. In Brazil, there is still a
greatres is tenceby a part of the society concerning adoptions by
homo-affective couples and discussions on possibilities of a child living with
two women or two men as its parents have become more and more frequent. Those advocating
in favor of homo-affective adoption make use of arguments justifying that love
between parents and child must beobserved, especially of the best interest of
the minor. However, this research of bibliographic character attested that not
always are the interests of the child and adolescent met since, on many ocassions,
the interest of the State and adopters were given priorty.
Key words: Adoption. Children and Adolescents rights. Homo-affectivity.
INTRODUÇÃO
A
família é um dos institutos mais antigos e integrantes dos costumes de quase
todos os povos, sendo que sua conceituação varia de acordo com a época e as
tradições de cada povo, possuindo conceitos e finalidades diferentes em
diversas épocas.
Nos
dias atuais, as famílias vêm passando por importantes mudanças e novos paradigmas
estão sendo criados em consideração ao princípio da afetividade como fator
determinante da parentalidade. Este trabalho traz, inicialmente, uma breve
abordagem histórica dos modelos de constituição familiar para em seguida
apresentar o novo modelo de formação: “a adoção por casais homoafetivos”. Apresenta
uma análise dos argumentos que deram origem a criação desta possibilidade
jurídica, elencando alguns motivos que levam os casais a buscarem esta formação
sem perder de vista o posicionamento do Estado e da sociedade.
Este
artigo visa, a partir dessas análises, elucidar quais são os interesses que
envolvem a formação de famílias por casais homoafetivos explicitando quem são
os verdadeiros interessados.
Neste
sentido, o tema abordado apresenta a possibilidade da concretização do que
prevê o artigo 5º da Carta Magna que preconiza: “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, em relação ao que determina o Estatuto da Criança
e do Adolescente no seu artigo 6º que estabelece a importância de levar em conta os fins sociais que a lei tem por
finalidade, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e
coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento. Além disso, aborda o princípio do melhor interesse das
crianças e adolescentes como instrumento basilar na tomada de decisões
jurídicas. Amplia a reflexão ao sugerir um olhar mais criterioso no que
concerne à escolha de uma família para àquele que está em desenvolvimento, ou
seja, que não tem maturidade para se posicionar em relação a algo tão complexo
e importante para sua vida.
Com
as novas regras de adoção surgiram várias discussões e estudos que visavam o
esclarecimento e a aceitação em torno da adoção por casais homoafetivos e uma
vez superada a questão da aceitação, por conscientização ou por imposição da
norma, surgiu uma nova inquietação no que diz respeito aos interesses que
envolvem este tipo de adoção, esta problemática teve abordagens implícitas em
outros estudos, mas verificou-se a necessidade de uma abordagem direta o que
serviu de motivação para elaboração deste artigo.
O
trabalho é composto pela introdução, na qual foi realizada a contextualização
da temática, explicitando o objetivo, a organização e a motivação da abordagem
do tema em estudo; pelo referencial teórico, que abrange quatro seções: na
primeira traz um breve apanhado histórico apresentando como ocorreu o instituto
da adoção ao longo da história, na segunda aborda as dificuldades enfrentadas
pelos casais homoafetivos e seus interesses, na terceira seção apresenta os
interesses das crianças e dos adolescentes e na última discorre sobre os interesses do Estado.
REFERENCIAL TEÓRICO
1
ASPECTOS HISTÓRICOS DA ADOÇÃO
A
prática do instituto da adoção não é novidade, desde a antiguidade todos os
povos praticavam a adoção. Esta prática era cercada por inúmeros interesses uma
responsabilidade com a garantia do futuro da sociedade e cultura de certos
povos, crenças religiosas, atos de solidariedade, caridade, amparo a membros de
famílias próximas, consolo aos casais estéreis, obtenção de mão de obra barata
dentre outros interesses. Assim, observa- se importantes relatos que demonstram
a vetusta inserção de crianças em famílias por meio do afeto ou outros motivos.
No Egito, por exemplo, a Bíblia relata a adoção feita pela filha de um Faraó que movida de compaixão decidiu adotar
uma criança. Sobre isso, relata a bíblia:
E a mulher concebeu e deu à luz um filho; e, vendo que ele
era formoso, escondeu-o três meses.
Não podendo, porém, mais escondê-lo, tomou uma arca de juncos, e a revestiu com barro e betume; e, pondo nela o menino, o pôs nos juncos à margem do rio. E sua irmã postou-se de longe, para saber o que lhe havia de acontecer. E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio, e as suas donzelas passeavam, pela margem do rio; e ela viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que a tomou.E abrindo-a, viu ao menino e eis que o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele, e disse: Dos meninos dos hebreus é este.Então disse sua irmã à filha de Faraó: Irei chamar uma ama das hebréias, que crie este menino para ti?E a filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino. Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o. E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado. (BÍBLIA SAGRADA, 1990, p.66).
Não podendo, porém, mais escondê-lo, tomou uma arca de juncos, e a revestiu com barro e betume; e, pondo nela o menino, o pôs nos juncos à margem do rio. E sua irmã postou-se de longe, para saber o que lhe havia de acontecer. E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio, e as suas donzelas passeavam, pela margem do rio; e ela viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que a tomou.E abrindo-a, viu ao menino e eis que o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele, e disse: Dos meninos dos hebreus é este.Então disse sua irmã à filha de Faraó: Irei chamar uma ama das hebréias, que crie este menino para ti?E a filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino. Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o. E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado. (BÍBLIA SAGRADA, 1990, p.66).
Outro
importante documento que comprova tal prática é o código de Hamurabi (1728-1686
a.c.), que destinou à adoção oito artigos que previam punições para os que
ousassem retirar a autoridade dos pais adotivos (RAMOS,1994).
A
idade Média é marcada por uma significativa queda do instituto da adoção,
voltando a ter força novamente em 1804 com o Código Napoleônico da França. Nas
famílias ocidentais havia um sistema de lar adotivo que consistia na inserção
de crianças de forma temporária em outras famílias, porém, mantendo vínculos
legais e emocionais com a família de origem (VILELA, 2016).
No Brasil o instituto da adoção
foi incorporado pelo direito português com o advento da colonização e foi
regulamentado pelas Ordenações Filipinas, Manuelinas e posteriormente pelas
Afonsinas. A maioria das adoções era realizada informalmente e motivadas, principalmente,
pela obtenção de mão de obra barata e pela caridade, incentivada neste último
caso pela igreja (VILELA, 2016).
Com
o Código Civil de 1916 a adoção passou a ter maior formalidade, cuja adoção
ganhou relevância no âmbito jurídico, sendo, pois, feita de forma sistematizada seguindo o modelo minus
plena dos romanos (VILELA, 2016).
A adoção ganha relevância jurídica e, “traduzindo o ideal
republicano de secularização da vida familiar, a adoção, passa a ser
disciplinada de forma sistemática, segundo o modelo minus plena dos
romanos”. O respectivo código regulamentava a adoção em onze artigos – do 368
ao 378. Por influência da instituição no direito romano no qual o direito
português se espelhou, a adoção visava apenas os interesses dos adotantes (Idem,p.1).
Contudo,
observa-se que o Código não facilitava o processo de adoção. A adoção tinha
característica contratual entre adotante e adotando e era realizada por meio de
escritura pública. Era marcante a distinção entre filhos legítimos e adotados.
Enfim, o código resguardava mais os interesses do adotante do que do adotando.
A
lei 6.697 de 1979 conhecida também por Código de menores resguardava direitos
concernentes à proteção de menores em situação irregular, que alcançava casos
de infração penal, abandono, desvio de conduta ou falta de representação legal
(BRASIL,1979, p.1).
A
promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças para
o processo de adoção. Dentre elas, destacam-se o papel da família, do estado e
da sociedade explícito no artigo nº 227 dessa lei. Sobre isso, preconiza o
referido artigo:
A adoção deixa de ter apenas o caráter
contratualista como ocorria no Código de 1916 e passa a ter um caráter
impositivo, ou seja, passa a ser assistida pelo Poder Público, isto é, o
legislador ordinário é quem dita as regras.
O parágrafo
6º do mesmo artigo evidencia uma grande conquista no que tange ao princípio da isonomia
ao declarar que “os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação” (BRASIL, 1988,p.60).Portanto, percebe-se um grande avanço, já que a
legislação anterior considerava mais o interesse do adotante.
Após a Constituição Federal avanços em relação à adoção
ocorreram com o a promulgação do novo Código Civil que trouxe no seu capítulo
IV artigos dedicados à adoção, porém a maioria desses artigos foi revogada pela
Lei nº 12.010, de 2009 e pela Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Permaneceram
neste capítulo os artigos 1618 e 1619, conforme se lê a seguir:
Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será
deferida na forma prevista pela Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto
da Criança e do Adolescente . (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos
dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva,
aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e
do Adolescente . (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência(BRASIL,2002, p.1).
Como se observa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de
1990 e a lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, passaram a disciplinar mais
especificamente este instituto.
O ECA tem como objetivo a proteção integral
da criança e do adolescente, aplicando medidas e expedindo
encaminhamentos para o juiz (BRASIL,1990). É o marco legal e regulatório dos
direitos humanos de crianças e adolescentes. Regulamenta os direitos das
crianças e dos adolescentes inspirado pelos projetos fornecidos pela Constituição Federal de 1988 somado a uma série de regras internacionais tais como: declaração dos Direitos da Criança; regras mínimas das Nações
Unidas para administração da Justiça da Infância e da Juventude, mais conhecidas como Regras de
Beijing; diretrizes das Nações Unidas para prevenção da Delinquência Juvenil. Por
outro lado a lei 12.010/2009 conforme seu artigo 1º dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática
prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e
adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990,
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2009).
2
ADOÇÃO HOMOAFETIVA
Na atualidade percebe-se uma dificuldade muito grande em
conceituar família, isto acontece devido às inúmeras mudanças que vêm ocorrendo
na sociedade que fizeram nascer novas formas de composição familiar. Assim, o
modelo de família formada apenas por um homem, uma mulher e seus filhos, foi
aos poucos sendo substituído. Uma sociedade não é estática, razão pela qual
mesmo com a ausência de leis que disciplinem determinado assunto surgiram novos
arranjos familiares que a posteriori foram assegurados pela legislação. Fatos e
movimentos sociais foram determinantes para que fossem assegurados os direitos
dos casais homoafetivos, porém por muito tempo as adoções utilizaram-se dos princípios
constitucionais, dentre os quais se destacam a dignidade da pessoa humana, o
interesse da criança e a afetividade, para fundamentar as decisões judiciais.
A adoção por casais homoafetivos percorreu uma longa
trajetória marcada por preconceitos e discriminações para efetivar-se. Nos dias
atuais, ainda existe uma parcela da população que relutam contra a união
homoafetiva. Porém, a Resolução nº. 175 de 2013 que determina que as
autoridades (cartórios) não podem rejeitar a celebração do casamento
homossexual e nem a conversão da união estável em casamento, foi determinante
para que, com a aceitação ou não da sociedade, a união homoafetiva ganhasse
garantias legais para fatos historicamente conhecidos.
No Brasil, a publicação da Resolução nº 175/2013, representa uma grande conquista para casais homoafetivos, pois trouxe alterações na estrutura jurídica brasileira no que diz respeito
ao casamento e nos conceitos de família. Conforme aborda POZZETTI:
A
Resolução n. 175 do Conselho Nacional de Justiça traz alterações na estrutura jurídica
brasileira e é necessário refletir sobre os requisitos legais para a celebração
do casamento no Brasil. Com isso, sofremos alterações nos conceitos de família,
união estável e casamento, trazendo consequências aos sujeitos da relação,
gerando benefícios, direitos e obrigações outras, uma vez que a Resolução
autoriza o casamento homoafetivo e, dessa forma, o contrato conjugal traz
consequências às relações familiares e econômicas. (POZZETTI; SILVA,
2013, p.1)
Cabe ressaltar que a adoção de crianças e adolescentes por casais
homoafetivos é uma desses direitos adquiridos, pois passaram a gozar em pé de
igualdade, dos mesmos direitos dos casais heterossexuais.
Contudo, a partir das garantias
legais para a união homoafetiva iniciou-se uma nova e inevitável batalha para
este novo modelo de composição familiar. Esta união sofre limitações e a composição
de famílias constituída por dois homens ou por duas mulheres estaria fadada a
uma formação reduzida aos consortes. O casal, por questões biológicas, deparou-se
com a impossibilidade da ampliação familiar. Neste contexto, não deveria o
casal aceitar as limitações do corpo e a impossibilidade da prole como
consequência de sua escolha? Sobre isso o artigo de Lara Spelta de Souza (2017)
“Aspectos
legais e Sociológicos da adoção”, mostra que não apenas casais
homoafetivos sofrem esta limitação, e que existe na adoção uma alternativa de
superação desta situação.
[...] Ao se descobrir a infertilidade, e mesmo com os tratamentos e
avanços da medicina não se consegue atingir a gestação sonhada, muitas pessoas
buscam na adoção uma forma de compensar essa impossibilidade fisiológica,
projetando no filho adotivo a mesma idealização do biológico. No mundo perfeito
o filho adotivo sairia da barriga de sua genitora imaculado, diretamente para
os braços dos pais adotivos, para que todo o vínculo fosse construído com o
casal (Idem,p.1).
A
paternidade e a maternidade preenchem um vazio intenso, é como um desdobramento
da existência. O sentimento de vazio, a
vontade de ampliação da família leva casais homoafeivos a buscarem na adoção a solução
para suas necessidades de se tornarem pais ou mães.
A adoção é bem vista pela sociedade, pois forma um vínculo não só jurídico como também afetivo. É o meio legal de
oferecer a uma criança ou adolescente, que por algum motivo ficou privado da
sua família biológica, uma nova chance de ser inserido e um ambiente familiar,
de amor, carinho e compromisso, porém quando se trata de adoção por casais do mesmo
sexo a aceitação por parte da sociedade não é a mesma.
Diante do
exposto, convém destacar que a Constituição Federal prevê a igualdade entre
todos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
(BRASIL 1988, p. 8).
Nesse diapasão verifica-se que não é possível
diferenciar os casais homossexuais dos heterossexuais no que diz respeito à
adoção.
Fato é que existe um grupo que defende a adoção por casais
homoafetivos com argumentos de que o importante é a existência de afeto entre
adotantes e adotandos e que é bem melhor uma criança ou adolescente ser adotado
por um casal homoafetivo do que viver no abandono. Outro grupo não aceita esse
posicionamento e se apóia em justificativas que perpassam por preocupações com
os aspectos psicológicos do adotando. Colocam em reflexão como será para as
crianças e adolescentes viverem e desenvolverem-se em um lar onde não há a
referência materna e paterna uma vez que esta preocupação, durante muito tempo,
foi tema de estudos de psicólogos, psiquiatras e educadores que sempre ressaltaram
a importância da presença do homem e da mulher, como referencial de pai e mãe, para
a influência saudável no desenvolvimento do menor. Sobre isso, é pertinente a
contribuição Analice de Jesus Araújo Nascimento em seu
artigo “Possíveis Consequências da Terceirização das Funções Materna e Paterna
para a Formação da Criança” que traz posicionamentos de psicólogos, psiquiatras que declaram:
A criança para se desenvolver e sobreviver necessita de
cuidados desde o nascimento, e são os pais que representam o principal vínculo
com o filho, por isso é importante que os cuidados sejam dados por eles. Dessa
maneira, segundo Winnicott (2001) a ausência da mãe, seja fisicamente ou por um
não cuidado afetivo suficiente, pode prejudicar a criança e comprometer o seu
senso de realidade. Assim, como afirma Rhode (2000), a figura paterna é
fundamental para que as relações triangulares edípicas sejam vivenciadas, ou
seja, a ausência ou presença inadequada do pai pode influenciar negativamente o
desenvolvimento emocional (NASCIMENTO, 2016, p.1)
O grupo
contrário a adoção homoafetiva sinaliza uma preocupação em relação à
possibilidade da adoção, por casais homoafetivos influenciar na identificação
de gênero de crianças e adolescentes.
Os
defensores da adoção homoafetiva rebatem este argumento evidenciando que em
famílias formadas por casais heterossexuais também existem filhos homossexuais,
ou seja, para eles a identificação de gêneros dos pais não influencia os
filhos. Já a outra corrente defende que, como os pais são referências para os
filhos estes serão influenciados a tornarem-se homossexuais pela ausência de
uma das figuras (materna ou paterna) ou pelo comportamento do casal.
Contudo,
percebe-se que não há um consenso e que parcela da sociedade ainda não está
preparada para mudanças de paradigmas tão fortes que permearam a vida dos seres
humanos por tanto tempo.
3
INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A adoção é
uma medida de proteção às crianças e adolescentes, a adoção por homossexual ou
heterossexual não traz total garantia de que a criança sempre será inserida em um
lar onde haja respeito, lealdade, assistência mútua, amor carinho e compromisso
dos membros da família, porém é o que se almeja, e para isso faz-se necessário
a adoção de critérios rigorosos para minimizar ao máximo a probabilidade de uma
adoção catastrófica uma vez que o instituto da adoção é irrevogável.
O número de
crianças e adolescentes que esperam por serem adotados é imenso, e justamente
por isso que muito se tem discutido sobre a possibilidade ou não da adoção por
casais homoafetivos. Porém a quantidade de crianças que esperam por adoção não
pode ser fator de maior peso na hora de se decidir por adoção por casais
homoafetivos, como se as crianças e adolescentes fossem engodos utilizados pelo
estado com o intuito de livrar-se de sua responsabilidade, ou seja, não se pode
decidir por uma adoção por casais homoafetivos por se julgar que é melhor esta adoção
do que crianças e adolescentes ficarem em abrigos.
Toda
espécie de adoção deve cumprir o seu o fim social, mas sempre respeitando às
exigências do bem comum, sobretudo a condição peculiar da criança e do
adolescente como pessoas em desenvolvimento, como estabelece o artigo 6º do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste diapasão, deve-se considerar prevalência
dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, ou seja, o importante é
encontrar uma família que seja adequada às crianças e aos adolescentes e não
crianças e adolescentes que sejam adequadas às necessidades de pais ou mães.
No entanto,
torna-se difícil garantir o atendimento do melhor interesse da criança uma vez
que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 28 parágrafo § 2 o estabelece que “Tratando-se de
maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em
audiência” e nos demais casos a criança, sempre que possível, será ouvida.
Outro fator
que dificulta a prioridade do interesse dos menores é que maioria dos que se encontram disponíveis para
a adoção foram vítimas de maus tratos e abandono, e vêm-se obrigados a aceitar a primeira
possibilidade de mudar a realidade em
que se encontram, mesmo que não seja para fazer parte de uma família nos moldes
em que sonharam. A situação, o meio em que vivem fazem com que eles se agarrem,
aceitem o que lhes é colocado como alternativa muitas vezes não vistas por eles
como a melhor opção, mas como a única.
Questão um
tanto contraditória também aos interesses dos menores é que segundo o mesmo
artigo, no § 4º irmãos devem ser colocados sob guarda
na mesma família, porém muitas vezes ocorre que a família que é de interesse
para uma criança não é de interesse para seus irmãos e estes se vêm obrigados a
aceitar como se todos fossem apenas um. É o que mostra o referido
artigo:
Art. 28. § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção,
tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada
existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a
excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o
rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (BRASIL 1988, p. 1)
4
INTERESSE DO ESTADO
São
inúmeras as dificuldades encontradas por casais ou indivíduos solteiros
interessados na adoção de crianças ou adolescentes, dentre elas destaca-se a
demora nos trâmites. Hodiernamente, a
duração do processo de adoção é de aproximadamente dois anos. A demora tem
justificativas pautadas em rigorosos critérios formais que visam assegurar que
a inserção da criança ou adolescente em uma nova família seja a mais certeira possível,
pois trata-se de decisão irrevogável que tem por objetivo selecionar e
encaminhar crianças e adolescentes a uma família que terá que ter compromissos
com a criação destes sem cogitar a possibilidade de desistência, pois segundo o
artigo 30 do ECA “ A colocação
em família substituta não admitirá transferência da criança ou adolescente a
terceiros ou a entidades governamentais ou não-governamentais, sem autorização
judicial (BRASIL,1990).
A
burocracia do processo muitas vezes apresenta-se como um óbice para a adoção
fazendo com que exista um pressuposto, por parte da sociedade, de que o Estado
tem mais interesse em atrapalhar o processo do que de facilitar.
No entanto, observa-se que o
Estado tem muito interesse na adoção devido principalmente a questões
econômicas. Vale ressaltar que a problemática abordada atinge mais os países
pobres. Na comparação entre países de primeiro e do terceiro mundo, observa-se que
os primeiros apresentam alta taxa de desenvolvimento somada com baixa taxa de
natalidade em detrimento aos países do terceiro mundo que acumulam alta taxa de
natalidade com baixo índice de desenvolvimento. Vários são os aspectos que
envolvem a adoção nos países com baixo nível de desenvolvimento, dentre eles
destacam-se os econômicos, sociais e culturais.
Segundo Caio Lencioni (2018),
atualmente 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil. Em seu
artigo Lencioni apresenta dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que
mostram que deste total apenas 8.420 crianças e adolescentes estão no Cadastro
Nacional de Adoção (CNA), ou seja, apenas 17,8% estão aptas a encontrar uma
nova família.
Os recursos financeiros “para
a criação e manutenção de ações específicas dos abrigos são firmados com Poder
Executivo das esferas municipal, estadual e federal”. As entidades de abrigos
governamentais ou não governamentais, conforme artigo 95 do ECA, são
fiscalizadas pelo poder judiciário (juízes e profissionais da área da infância
e da juventude), pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar. Podem ainda
serem fiscalizados por outras instituições que assegurarão o funcionamento
adequado e dentro dos padrões exigidos por lei.
Além do envolvimento de
várias instituições, os abrigos recebem recursos financeiros de acordo com as
atividades desenvolvidas, o que dificulta a mensuração do gasto que os abrigos
têm com o público que atende.
Desta forma, o Estado para
cumprir sua responsabilidade, assegurada pelo artigo 227 da Constituição
Federal, que visa garantir os direitos
fundamentais da criança e adolescentes e tem também o compromisso de fiscalizar
instituições e ofertar condições de vida com dignidade, necessita dispor
de valores altíssimos o que o leva a duas opções, a primeira é realizar o retorno das crianças e adolescentes para as
famílias biológicas,mas quando isto não ocorre, parte para a segunda opção, a inserção em uma família
substituta que é sem dúvida a opção mais vantajosa. De uma forma ou de outra o
Estado visa à transferência de sua responsabilidade e de suas despesas para
famílias biológicas ou adotivas.
METODOLOGIA
Optou-se pela pesquisa
bibliográfica, pois sua finalidade “[...] reside no
fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito
mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente [...] (GUIMARAES,
s.d., p.1). Outra grande contribuição da pesquisa bibliográfica está no fato
dela ser “é indispensável para a realização de estudos históricos” (Idem, p.1).
A pesquisa
bibliográfica foi feita a partir da seleção de artigos científicos da internet,
de livros do meu acervo pessoal e da biblioteca da Faculdade da Amazônia
Ocidental (FAAO). A escolha do material bibliográfico foi feita a partir da
seleção de autores e referencias que discorrem sobre a temática em questão,
sendo feita inicialmente a seleção de autores e temáticas para posteriormente
sistematizar por meio de fichas o material que fundamentou a pesquisa
bibliográfica.
CONCLUSÃO
Verificou-se, ao longo da
história, que nem sempre o interesse da criança e do adolescente foi atendido,
já que prevaleceram sempre a intenção do estado e dos adotantes por muitos séculos.
E embora a CF determine a garantia de direitos para que possa atender os
interesses dos menores, na prática não se torna exequível, já que esse público
não tem direito à escolha do tipo de família que o acolha. E visando aprofundar
o tema em questão, sugere-se a abordagem de novos estudos bibliográficos e,
também, de pesquisa de campo partindo da análise do ponto de vista dos efeitos
psicológicos e emocionais por parte do adotado. Todavia, não se pode perder de
vista pontos relevantes como: Os interesses dos três envolvidos nesse processo:
adotando, adotante e Estado, as consequências da adoção para os envolvidos,
entre outros aspectos.
Esse
estudo é de grande relevância para literatura local e nacional uma vez que
dispõe de poucos estudos bibliográficos e de campo relacionados à temática em
questão sendo, portanto, uma rica fonte de pesquisa para estudiosos que desejam
propor reflexões como: Uma abordagem histórica da adoção considerando os interesses
do Estado e do adotante chegando até os interesses do adotando por meio da Constituição
Federal e do Estatuto da Criança e do adolescente. Além disso, a pesquisa mostrou
o interesse dos pais em suprir uma carência própria por meio da adoção, o
interesse do Estado em transferir sua responsabilidade com as crianças para
família de composição homoafetiva e os interesses dos menores que, mesmo com os
avanços da legislação, ainda sofrem limitações por parte da burocracia do
processo e em detrimento dos interesses
do Estado e dos adotantes.
REFERÊNCIAS
ASPECTOS
LEGAIS E SOCIOLÓGICOS DA ADOÇÃO. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/aspectos-legais-sociologicos-adocao.htm>. Acesso em: 14 out.2019.
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*Acadêmica do curso de Direito da FAAO.
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