Maria Yasmim Lourrandra Mendes de Castro*
Professor Clóvis Augusto Alves
Cabral
RESUMO:
O
presente artigo aborda as exceções trazidas pela jurisprudência brasileira em
relação a adoção de netos por avós, caso que, em regra, é vedado pelo §1º, artigo
42º, do ECA, que analisa isoladamente e afasta do todo o ordenamento jurídico
constitucional e infraconstitucional, onde os avós, jamais, poderiam adotar
seus netos. Desse modo, não basta ao
Art. 42, §1º, do ECA dizer que não podem adotar os ascendentes. É necessário,
sim, que, diante da análise de cada caso concreto (fato da vida), em cotejo com
todo o ordenamento positivo pátrio, o juiz obtenha a norma restritiva – e não a
lei! – que vede essa pretensão, quando for o caso, quando dita adoção contrariar
os interesses superiores do menor.
Palavras-
chave: ECA. Interesse
do menor. Avós. Socioafetividade. Impedimento.
ABSTRACT: This article
deals with the exceptions brought by the Brazilian jurisprudence in relation to
the adoption of grandchildren by grandparents, in case, as a rule, it is
forbidden by §1º, article 42, of the ECA, which analyzes in isolation and
departs from the whole constitutional and infraconstitutional legal system.
where grandparents could never adopt their grandchildren. Thus, it is not
enough for Art. 42, §1 of the ECA to say that they cannot adopt ascenders. It
is necessary that, in the face of the analysis of each concrete case (fact of
life), in comparison with all the positive homeland order, the judge obtains
the restrictive norm - not the law! - to see this claim, when appropriate, when
it is adopted, which is contrary to the best interests of the minor.
Keywords: ECA. Interest
of the minor. Grandparents.
Socioaffectivity.
1
INTRODUÇÃO:
A
Constituição Federal de 1988, em seu dispositivo 227, prevê o princípio da
proteção integral da criança e do adolescente, onde o constituinte estabelece o
dever da família , da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade,
o direito a vida, a saúde à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Entretanto, com base no brilhante texto da
carta magna, que a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescentes)
inspirou- se a aplicar meios de adoção de crianças e adolescentes no
ordenamento jurídico brasileiro.
Porém,
existem regras no Estatuto que impedem crianças e adolescentes de serem
adotadas por seus avós (art. 42, § 1º), regra esta que muitas vezes acaba não
atendendo o melhor interesse do menor.
Assim,
procura- se entender o porque de tal impedimento pelo legislador, quais motivos
o levaram a esta conclusão de que avós não poderiam adotar os netos e te- los
como se filhos fossem, como os operadores do direito pensam em relação a
restrição imposta pelo legislador, a mitigação ou não desta regra em relação ao
que mais interessa ao menor e também, o papel do Ministério Público ao analisar
cada caso concreto.
Neste
diapasão, serão empregadas pesquisas em doutrinas, internet e jurisprudências
sobre casos relacionados a infância e juventude com a intenção de fazer com que
haja reflexão sobre casos corriqueiros no ordenamento jurídico brasileiro.
Primeiramente,
serão comentadas sobre o direito da criança e o seu direito a convivência
familiar que atenda melhor o seu interesse, sempre colocando a frente o
princípio da proteção integral e, claro, a dignidade da pessoa humana.
Assim,
serão estudadas espécies de parentesco, principalmente o socioafetivo, quando
trata- se de posse de estado de filho.
Em
seguida, comentarei sobre a possibilidade de avós adotar seus netos.
Entretanto, será pesquisado o porque de o legislador vedar tal adoção prevista
no art. 42, 1º§, do ECA, também serão analisados o que
a doutrina defende e o pensamento do autor sobre o tema em tela, seja ele a
favor ou contra, também a análise da jurisprudência brasileira em cada
especifico.
Por
conseguinte, a importância de reunir vários profissionais como, assistentes
sociais, pedagogos e psicólogos, cujo o objetivo é único, analisar cada caso
concreto juntamente com o Poder Judiciário e o Ministério Público, sempre em
busca do melhor interesse do menor.
Por
fim, buscar- se- à uma solução para a problemática, juntamente com a opinião de
equipes interprofissionais, cujo o objetivo é ao menos mitigar tal problemática
sempre em busca da felicidade, do melhor interesse da criança ou do
adolescente.
Analisaremos,
também a atuação e a importância do Ministério Público sobre casos concretos
que chegam até o órgão para analise, bem como a legalidade obedecendo sempre o
melhor interesse.
O
presente artigo ao abordar tal tema relacionado ao Direito de Família e as
diversas espécies de forma de filiação, bem como relações socioafetivas, não
procura esgotar esses temas, mas sim buscar o porque de tal impedimento do art.
4º, 1§ do ECA.
2- O DIREITO A CONVIVÊNCIA FAMILIAR
A
Constituição Federal antes tinha a criança e o adolescente como meros
objetos de proteção, agora passando a adotar o princípio da proteção legal
tornando-os sujeitos de direito.
Em
seu artigo 227 explicitou vários direitos fundamentais, como direito a vida, a
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, e o assunto principal do estudo ‘’À CONVIVÊNCIA
FAMILIAR E COMUNITÁRIA, CABENDO À FAMÍLIA, À SOCIEDADE E AO ESTADO ASSEGURÁ-LOS
COM ABSOLUTA PRIORIDADE’’.
Vale
ressaltar que, o legislador não direcionou a um certo grupo ou
pessoa determinada tal proteção e ABSOLUTA PRIORIDADE. Assim, pode- se concluir
que, além da referida proteção integral, o artigo ressalta o princípio da
absoluta prioridade a criança e ao adolescente.
Mesmo
que o constituinte tivesse sido omisso para com tal tema discutido, ainda sim
seria possível verificar que o direito fundamental à convivência familiar das
crianças e adolescentes, decorre da dignidade da pessoa humana, sendo este o
principal direito protegido pela Constituição Federal da Republica no artigo
1º, III.
Fora
da constituição encontra- se este direito resguardado pelo ECA nos artigos 4º,
19º e 100, parágrafo único, X, e pelo art. 8.1 da Convenção Internacional sobre
os Direitos da Criança e o Adolescente, ratificada pelo Brasil através do
Decreto nº 99.710/90.
Entretanto,
analisando tal questão, ressaltasse a preocupação do legislador ao elaborar
leis que protejam crianças e adolescentes quando trata- se da convivência
familiar, tendo em vista o desenvolvimento de sua personalidade e caráter para
tornarem- se adultos do bem, garantindo uma sociedade melhor.
Sabe-
se que o Estatuto da Criança e do Adolescente presa pela convivência junto a
‘’família natural’’, que é aquela que se estende para além da unidade pais e
filhos ou da unidade casal, formada por parentes próximos com os quais a
criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
Por
conseguinte, o Estatuto ressalta a possibilidade da criança e do adolescente
serem inseridos em família substituta, sejam com guarda, tutela e adoção
previstas no artigo 28 da Lei nº 8.069/90). Sendo assim, o sistema legal não
esgotou as diversas modalidades de entidades familiares encontradas na lei.
Entretanto, este é apenas um rol exemplificativo e não taxativo, sabendo- se
que várias outras espécies de famílias já foram aceitas e protegidas pelo
Estado, como famílias homoafetivas, anaparental, pluriparental etc.
Neste
diapasão, sabe-se que a sociedade está em constante mudança, sendo necessário
que o legislador adapte-se a ela, no próprio artigo 5º , II, da Lei nº
11.340/2006 diz que a entidade familiar é ‘’uma comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa.
O
afeto é que deve- se observar além de tudo, pois ele é o elemento principal
para um convívio saudável e feliz nas famílias.
Como
explana Maria Berenice Dias, que o afeto o verdadeiro direito fundamental, e
que ‘’o novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais,
sustentando-se no amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito das
famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor
jurídico ao afeto’’.
Também
ressalta Rosana Barbosa Cipriano Simão ‘’a socioafetividade enseja efeitos
jurídicos: seja para configurar relações seja para configurar
responsabilidades’’.
Na
mesma linha de pensamento Flavio Tartuce afirma que ‘’a efetividade é princípio
jurídico, gerando consequências concretas para o Direito privado, ao contrario
do que muitos possam pensar’’.
Observa-
se que é assim que parte da doutrina e a jurisprudência defende que quem
responsabiliza- se pelo abandono moral ou afetivo é o genitor ou a genitora.
3- ADOÇÃO AVOENGA E A VEDAÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 42,1§, DO
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
3.1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Na
sociedade moderna a adoção surgiu como intuído de dar filhos a quem não pode
gerá- los ou mesmo que pudessem, optarem pela adoção, assim, gerando um vinculo
de filiação, formando o parentesco civil. Entretanto, analisa- se se os adotantes
se encaixam nos requisitos explanados pelo ECA, preenchidos tais requisitos,
encaminha- se para o judiciário para que constitua- se o parentesco civil, o
qual deverá seguir as normas contidas no artigo 47 daquele diploma legal.
Por
conseguinte, a criança ou adolescente torna-se verdadeiro membro da família,
passa a ter os mesmos direitos e deveres como se de sangue fossem assim
rompendo os laços com os verdadeiros pais e parentes.
De
outro lado, demais modalidade de inserção da criança e adolescente em família
substituta -guarda e tutela- que ao contrário da adoção, onde o adotado tem a
proteção plena e integral, essas demais modalidades são totalmente inferiores
tendo somente alguns destes atributos.
3.2 A LEGITIMIDADE DOS ASCENDENTES PARA FINS DE ADOÇÃO
Sabe-se
que existem duas formas de impedimento para adoção: parcial e total.
O
parcial é aquele impedimento que pode ser suprimido, como ocorre com os tutores
ou curadores que pretendam adotar e, por força da regra do art. 44 do ECA
deverão prestar contas de sua administração e saldar o seu alcance para,
somente então, tornarem- se legítimos a pleitear adoção.
Já
o impedimento total, é aquele que o legislador não previu a possibilidade de
superação, estando disciplinado no artigo §1, do ECA, que veda expressamente a
adoção por quem for ascendente, evitando- se indesejadas inversões e confusões
nessas relações, especialmente no que tange às questões patrimoniais,
sucessórias e referentes ao impedimentos matrimoniais.
Valter
Kenji Ishida ressalta que antes do ECA, os tribunais permitiam a adoção de
netos pelos avós, sob o argumento de que a adoção deveria ser facilitada.
Entretanto, diz que a partir do surgimento deste impedimento legal contido no
artigo 42, 1§ do ECA este entendimento não deve mais prevalecer. O autor diz
que seria possível adoção por avós por afinidade, fazendo o uso da analogia.
O
recurso especial nº 1.448.968- SC, em 21 de outubro de 2014 e publicado no
informativo nº 551 da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça analisou o
caso concreto da pretensão dos pais de uma criança por eles adotada que no ato
da adoção ela já estava gestante aos 8 anos de idade.
Bem
como um caso julgado em 1996(Recurso Especial nº 76.712/GO), restou evidenciado
nos autos eu os avós sempre exerceram a função de pais do neto, que fora criado
como verdadeiro irmão (e não filho) de sua genitora, caracterizando, caracterizando, assim,
o vínculo de filiação
socioafetiva, de modo
que a adoção
visava apenas regularizar
uma situação fática preexistente desde o nascimento do
adotando, que já contava com 16 anos de idade à época do julgamento. Desta vez,
no entanto, a Terceira Turma do STJ, de forma unânime, optou por prestigiar o
contexto fático do caso concreto, relativizando a proibição legal contida no
art. 42, §1ºdo ECA para deferir a adoção do neto aos avós.
4- IMPRESCINDIBILIDADEDA ATUAÇÃO DA EQUIPE
TÉCNICAINTERPROFISSIONAL
Seria
deveras ingênuo acreditar que toda e qualquer pretensão de adoção veiculada por
ascendentes em prol
de um descendente será
fundada nos motivos
legítimos exigidos pelo artigo 43 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Muitas vezes, a
pretensão adotiva poderá
mascarar um interesse
puramente material, com o
único intuito de
conferir ao neto
adotando a situação
de dependente apenas
para obtenção de benefícios
previdenciários, ou para
reduzir a legítima
dos demais herdeiros necessários do adotante em eventual
sucessão, sem que haja, de fato, uma relação de filiação socioafetiva entre os
avós e o neto.
Nesta
hipótese, restaria inequivocamente evidenciada a intenção de burla à vedação
legal contida no §1º do art. 42 do ECA para se obter uma adoção fundada em fins
ilegítimos, isto é, que não traria reais vantagens à criança ou
adolescente. Tal pretensão,
naturalmente, estaria
fadada ao insucesso, conforme
tranquilo entendimento doutrinário57e jurisprudencial58.Todavia,
não se deve tomar a exceção –a propositura de demanda adotiva desvirtuada de
sua nobre função –como a regra, devendo prevalecer a máxima do Direito de que a
boa-fé se presume, enquanto a má-fé deve ser comprovada. Assim, nas ações de
adoção propostas pelos avós em favor do neto, sempre deverá ser perquirido se,
naquele caso concreto,
a medida se
destina a regularizar
uma situação fática socioafetiva já
consolidada, ou se
visa apenas a
satisfazer um aspecto
patrimonial dos envolvidos. Ocorre, entretanto, que
magistrados, membros do
Ministério Público, advogados
e defensores públicos, não reúnem condições de, por si sós, realizarem
tal investigação em cada demanda
submetida à apreciação
do Judiciário, uma
vez que, regra
geral, não possuem
a expertise necessária para
tanto, já que
a formação jurídica
não engloba necessariamente aspectos da psicologia,
assistência social e pedagogia.
Essa questão foi observada por Rosana Barbosa
Cipriano Simão, para quem “os diversos aspectos do Direito de Família sofrem
interferências dos sentimentos das pessoas que protagonizam contendas
jurídicas. A questão da afetividade
assume papel central e, por envolverem
questões de ordem
psicológica, demandam a coparticipação de juristas,
psicólogos e assistentes sociais que, de mãos dadas, tem o compromisso com a
busca da verdade real”
Não
é por outra razão que a Lei n 8.069/90 prevê, em seus artigos 150 e 151 a
necessidade de o Poder Judiciário ser aparelhado com equipe interprofissional,
destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude, através da
elaboração de laudos técnicos para subsidiar a formação da convicção do Juízo. Saliente-se que
a referida previsão vai
ao encontro da regra nº
16.162das Regras de Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da justiça da Infância e da Juventude), que
trata da relevância dos denominados
relatórios de inquérito
social para facilitar o
julgamento do caso
pelo magistrado, que
são justamente os
relatórios técnicos,
geralmente psicossociais, elaborados
pela equipe multidisciplinar do
Juízo, composta por psicólogos e assistentes sociais.
O Estatuto
da Criança e do Adolescente exige a confecção de estudos técnicos pela equipe
interprofissional nas ações de destituição de poder familiar (art. 161, §1º),
nas hipóteses de colocação de criança ou adolescente em família substituta
(art. 167), nos procedimentos de
apuração de prática de ato infracional por adolescente (art. 186, §4º) e nos de
habilitação de pretendentes à adoção (art. 197-C). A atuação
da equipe técnica
multidisciplinar, seja a
do Juízo da Infância, seja a
pertencente aos quadros
do Ministério Público,
do Conselho Tutelar,
da unidade de acolhimento institucional onde eventualmente
o infante esteja abrigado, ou de qualquer outro órgão integrante
da rede de
atendimento infanto-juvenil, possui
enorme importância, não apenas
nas hipóteses expressamente
mencionadas pelo Estatuto,
mas na quase totalidade de procedimentos envolvendo os interesses de
crianças e adolescentes.
Através
de visitas domiciliares, entrevistas
com os personagens
diretamente envolvidos e
pessoas próximas, dentre
outras técnicas, esses
profissionais verificarão o contexto fático que
circunda cada caso
concreto submetido à
apreciação do Judiciário,
de modo a aferir,
por exemplo, a
caracterização de relação
de filiação socioafetiva
e se a pretensão veiculada em determinada demanda
atende aos anseios e apresenta real vantagem a um infante.
Trata-se, na
verdade, de apoio extremamente importante e salutar, quiçá imprescindível, para
amparar a prolação da decisão que melhor atenda aos interesses de crianças e
adolescentes nos casos concretos. Por
isso, Rosana Barbosa Cipriano Simão conclui que “a união de esforços, técnicas e
expertises de juristas e psicólogos é uma decisão de inteligência e é uma
caminhada que conduz inexoravelmente
ao melhor final (feliz
ou não!) que cada caso que demanda uma solução jurídica pode alcançar”.
5- O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Apesar de
a defesa dos
direitos da comunidade
infanto-juvenil não ter
sido expressamente elencada como
função institucional do
Ministério Público no rol previsto
no artigo 129 da
Constituição Federal, esta
pode ser facilmente
extraída da norma
contida no artigo 227,
que prevê que
tais direitos devem
ser assegurados com absoluta
prioridade, não apenas pela
família, mas também por toda a sociedade e pelo Estado.
Para Emerson
Garcia, “a prioridade
absoluta, como não
poderia deixar de
ser, alcançará a atividade finalística do
Ministério Público, tendo
a instituição o
dever de, em primeiro
plano, adotar as
medidas correlatas ao
seu âmbito de
atuação funcional que tangenciem a esfera jurídica das crianças
e dos adolescentes”78.Já no plano infraconstitucional, a atuação do Ministério
Público em prol dos interesses dos infantes é extraída do art. 5º, III,
„e‟, da Lei Complementar
nº 75/9379; do
art. 25,IV, „a‟, da Lei n
8.625/9380; do art. 201, III e VIII, do ECA81; e dos artigos 17682e 178, II83,
do Código de Processo Civil. Importante destacar que,
com o regime
constitucional inaugurado a
partir de 1988, o Ministério Público
passou a ter
uma função proativa
voltada para a
efetiva solução dos problemas sociais e pela incansável defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e
difusos, dentre os quais se destacam os direitos das crianças e adolescentes. Por isso
nos causou enorme
perplexidade constatar que
os dois casos
concretos analisados neste trabalho
(Recurso Especial nº
76.712/GO e Recurso
Especial nº 1.448.969/SC) foram
submetidos à apreciação
do Superior Tribunal
de Justiça por
força de recursos interpostos
pelo Ministério Público Estadual. Em ambos os casos, restou constatado pela
equipe interprofissional do Juízo da infância que a adoção do neto pelos avós
atenderia ao melhor interesse daquele, em razão do vínculo de parentalidade
socioafetiva já construído entre os personagens envolvidos.
O Juízo, então,
levando em consideração os fins sociais e a condição peculiar do infante como
pessoa em desenvolvimento (art. 6º do
ECA), julgou procedente o pedido, relativizando, assim, a vedação contida no
art. 42, §1º, do Estatuto. Irresignado, no entanto, o Ministério Público
interpôs recurso de apelação buscando a prevalência do referido impedimento
legal e, quando teve seu apelo desprovido pelo Tribunal de Justiça,
interpôs novo recurso,
desta vez ao
Superior Tribunal de Justiça, com
igual pretensão, obtendo “êxito” em um (Recurso Especial nº 76.712/GO) e
“insucesso” no outro (Recurso Especial nº 1.448.969/SC).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
Constituição Federal definiu, em seu artigo 227, que as crianças e adolescentes
ostentam uma série de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, que
devem ser assegurados pela família, sociedade e Estado, incluindo-se, aqui, o
Ministério Público. Mais do que isso,
o legislador constituinte
fixou que crianças
e adolescentes receberão
um tratamento de absoluta prioridade, o que significa dizer que quando
seus direitos se chocarem com os de
adultos, deve-se observar
o mandamento constitucional e
fazer prevalecer o
interesseinfanto-juvenil.
Com o reconhecimento do
afeto como elemento
fundamental e imprescindível das relações familiares, passou-se a
prestigiar e atribuir efeitos jurídicos aos vínculos decorrentes da socioafetividade, inclusive
para fins de constituição da
chamada parentalidade
socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.
Todavia, em
que pese ser
admitido pelo ordenamento
jurídico que uma
pessoa completamente estranha, sem qualquer vínculo consanguíneo com o infante, seja constituído pai ou
mãe, de forma
contraditória, impede-se que
o mesmo ocorra
entre determinados parentes que
apresentam vínculo consanguíneo
entre si, conforme
se observa da
regra restritiva contida no art. 42, §1º, do ECA, que proíbe os avós de
adotarem os netos.
Malgrado o entendimento
no sentido de
que a referida
vedação configura um impedimento total e intransponível à
adoção, entendemos que a restrição deve ser interpretada levando-se em
consideração os fins sociais e a condição peculiar do infante como pessoa em desenvolvimento,
nos termos do art. 6º do ECA.
Ora,
não há como
conceber que o
diploma legal criado
para entregar uma
proteção integral à criança e
ao adolescente traga em seu
bojo uma regra
restritiva apriorística, criadora
de embaraços insuperáveis
ao direito constitucional e prioritário ao convívio familiar, ignorando as
peculiaridades do caso concreto e cerrando os olhos para a solução que
realmente atende ao melhor interesse de determinado infante em particular.
O
significado da norma restritiva contida no art. 42, §1º, do ECA, deve ser
alcançado de forma coerente com todo o ordenamento jurídico, através de uma
interpretação sistemática com as demais
normas que compõem
o próprio Estatuto,
bem como com
os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição
Federal.
Destarte, nas hipóteses
em que ficar
devidamente evidenciada a
posse de estado
de filho dos avós com relação ao neto, havendo estudo técnico
interprofissional atestando que a medida
atende aos anseios
daquela criança ou
adolescente, a situação fática
deverá ser prestigiada em
detrimento da norma fria e distante extraída do §1º do art. 42 do ECA.
Em casos
tais, a balança
dos interesses em
conflito -de um lado,
a preservação dos graus
de parentesco e
das questões sucessórias
e patrimoniais e, de outro,
a plenitude dos direitos da personalidade, do
sentimento de pertencimento
ao núcleo familiar
e da própria dignidade humana da
criança ou adolescente –deverá sempre pender a favor deste, ou seja, a favor do
melhor interesse do infante. Não
podemos olvidar que
a adoção apresenta
enormes vantagens para
uma criança. Uma delas é trazer
ao mundo jurídico uma relação familiar que já existe no mundo dos fatos,
conferindo juridicamente a condição de filho a quem já se comporta e se compreende
dessa maneira.
Além disso, a
adoção confere maior
proteção ao infante, com os
efeitos previdenciários, sucessórios e civis daí decorrentes. Deixar a
criança em guarda, ao invés de adoção, é relegá-la a um vínculo jurídico frágil
e precário, sem
maior segurança jurídica, rejeitando injustamente
a constituição de
uma paternidade e
maternidade já externada socialmente e afetivamente. Por isso,
não há mais
espaço para que
o Ministério Público
atue como mero fiscalizador da
correta aplicação das
leis, inclusive daquelas
injustas, devendo assumir
sua função essencial à justiça, interferindo positivamente na realidade
social e, através do exame do conteúdo ideológico das normas jurídicas, dar prevalência
para a efetivação daquelas que signifiquem a concretização dos interesses das
crianças e adolescentes, na medida da absoluta CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1,
junho/2018.prioridade constitucional a estes atribuída.
Não se trata de pregar
uma liberação descontrolada da adoção entre parentes, nem de incentivar a
celeuma entre as
relações de parentesco,
e tampouco uma
desvairada desobediência
legislativa. Muito pelo
contrário. A solução pela mitigação da vedação legal deverá ser sempre baseada
nas peculiaridades do caso concreto, amparada em elementos técnicos produzidos
nos autos pela equipe interprofissional e fundamentada nas regras de interpretação
e integração das normas jurídicas, bem como
nos direitos fundamentais
e princípios previstos na Constituição da República.
Conferir a adoção
nestes casos, repise-se, é questão não apenas de conferir direitos por uma relação já existente entre
os envolvidos, como também uma questão de dignidade, permitindo que um filho
socioafetivo seja reconhecido como tal.
*Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental - FAAO.
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Sérgio Resende de. Direitos humanos da família:principais e operacionais.
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Acesso em: 10 de agosto de 2019.
BARROSO,
Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas–limites e
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2003.DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed.São Paulo:
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FARIAS,
Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil–Famílias.v. 6,
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FELIPE,
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FRIEDE,
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