domingo, 24 de novembro de 2019

Consumo Consciente


Rosana Maria de Oliveira Maia *
Prof. Dr. Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira**



RESUMO 


Este trabalho tem como objetivos qualificar o consumerismo, também chamado de consumo consciente, ou sustentável, identificar os principais fenômenos jurídicos decorrentes desta mudança nas relações de consumo e interpretar, a partir do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade dos fornecedores no que tange ao incentivo ao consumo irrefletido de produtos potencialmente danosos à saúde e ao meio ambiente. Para atingir essas metas foi realizada a análise e interpretação do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, a partir da ótica do avanço agressivo do consumerismo na sociedade brasileira. Tal análise evidenciou que o direito do consumidor no Brasil é determinado como um valor constitucional, assentado no Art. 5º da Constituição Federal. A mesma base fundamental do ordenamento jurídico defende todas as demais garantias atinentes aos direitos humanos, de modo que enquanto as relações de consumo se mantiverem em harmonia com as condições mínimas de dignidade humana não há contradição na lei, pois que estes fundamentos permanecem em estado de horizontalidade jurídica. Entretanto persistindo a redução no consumo, ocorre a desarmonização de tais ordenamentos, uma vez que o consumerismo promove a depressão das condições mínimas de estabilidade econômica, interferindo na capacidade do Estado de fomentar os direitos essenciais. 


Palavras-chave: consumo consciente; relações de consumo; consumerismo; consumo sustentável; Código de Defesa do Consumidor 



1 INTRODUÇÃO 


A demanda social por consumo consciente tornou-se um poder orientador das relações comerciais, produzindo novas posturas morais frente ao mercado e desenvolvendo um tipo diferenciado de comportamento ético, o consumerismo. A difusão deste tipo de postura em uma população mais informada e ciente da sua responsabilidade para com a natureza, a sociedade e as gerações futuras exige o desenvolvimento congruente da interpretação da norma jurídica no que diz respeito às relações de consumo. 

Grandes obras, como aeroportos, usinas e estações petrolíferas, por exemplo, foram projetados em perspectiva de crescimento sustentado da demanda por longos períodos de tempo. Supondo um horizonte de consistente decréscimo do consumo, que tipo de implicações recaem sobre os diversos atores sujeitos às frustrações de receitas e demais fenômenos econômicos e sociais decorrentes de tais mudanças? 

Outra questão que surge é: em que termos pode ser considerado crime contra as relações de consumo, previsto no Art. 7º da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137/ 1990), o incentivo ao consumo irrefletido de produtos potencialmente danosos à saúde e ao meio ambiente? 

Estas e outras questões pertinentes ao consumo consciente são tratadas nesta pesquisa a partir da leitura interpretativa do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/ 1990) e de outras peças jurídicas, que se fazem necessárias para clarificar o entendimento sobre a legislação brasileira pertinente. 



1.2. Objetivos do trabalho 


Esta pesquisa se destina a evidenciar os principais efeitos jurídicos da redução do consumo, promovida pela conscientização ambiental massiva da população brasileira, a partir da leitura e interpretação do Código de Defesa do Consumidor. 


1.3. Objetivos específicos 


  • Qualificar o consumerismo; 
  • Identificar os principais fenômenos jurídicos oriundos dessa mudança nas relações de consumo; 
  • Interpretar, a partir do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade dos fornecedores quanto ao incentivo ao consumo irrefletido de produtos potencialmente danosos à saúde e ao meio ambiente. 

2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 

Em análise sobre os danos morais decorrentes das relações de consumo, Antunes (2009, p. 179) propõe que, ao concretizar o direcionamento dado pela Constituição da República(CF) de 1988, o Código de Defesa do Consumidor foi orientado pela segurança e pela justiça que devem acompanhar o desenvolvimento social e da economia brasileira, prevendo a divisão de danos ocorridos nas relações de consumo. 

Observa-se, em tal interpretação, uma perspectiva datada, que foi orientada por uma ânsia perpétua de crescimento e que considera apenas o viés econômico e social do progresso, sem refletir de forma sistemática sobre os impactos negativos de tal fenômeno. 

A partir da década de 1990, com a grande publicidade lançada sobre os argumentos dos ambientalistas na Eco 92, as questões ambientais deixaram de ser periféricas no ordenamento jurídico e passaram a ocupar energias significativas dos legisladores e da sociedade, como na aprovação do Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/ 2012), que demandou, décadas de debates, emendas e contratempos entre os poderes Legislativo e Executivo. 

Com as inegáveis mudanças climáticas em curso e um conhecimento mais generalizado sobre os efeitos negativos das atividades antrópicas sobre o ambiente, surge uma nova perspectiva de desenvolvimento, definida originalmente em 1987 pelo Relatório Bruntldand (Our Common Future) como desenvolvimento sustentável, caracterizado como um tipo de progresso que garante o direito das gerações futuras de também se desenvolverem. A noção de sustentabilidade se difundiu para as áreas sociais, ambientais e econômicas, sendo que no âmbito do direito internacional, por exemplo, as Diretrizes da ONU para a Defesa do Consumidor, de 1985, recebeu em 1999 como acréscimo o direito ao consumo sustentável. (DEFOSSEZ, 2017). 

Neste novo ethos, em que as reduções de emissões de gases de efeito estufa e a contenção da pegada ambiental da humanidade é inevitável, caso desejemos que nossas futuras gerações tenham alguma chance de sobreviver, as noções de redução, reuso e reciclagem se tornaram o carro chefe da massificação da publicidade ecológica e se disseminou pela sociedade, produzindo como efeito uma redução consciente, generalizada e sistemática do consumo, que se chama consumerismo. 

Não se trata de um modismo, ou de um fenômeno ecológico sazonal, a redução de consumo de recursos ambientais finitos é urgente, progressiva e irreversível, uma vez que está consolidada em mais de 4 décadas de estudos sistemáticos dos mais eminentes cientistas da Terra, apoiados e registrados pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), órgão independente, mantido, desenvolvido e autorizado pela Organização das Nações Unidas e seus 195 signatários. 

Em face às ameaças de um evento de extinção, à publicidade e à ideologia que o fenômeno criou na sociedade contemporânea, é de se esperar que novos hábitos de consumo sejam criados e disseminados. 

Os três pilares desses novos hábitos (redução, reutilização e reciclagem) produzem a conscientização do consumo, ou seja, a noção amplamente disseminada de que é preciso perguntar, antes de comprar algo, se realmente aquele produto ou serviço é necessário. 

Em tal reflexão materializa-se a redução progressiva e sistemática do consumo que pode, em algum momento entrar em conflito com o preceito defendido por Antunes (2009, p. 179), para quem a própria Carta Cidadã orienta que a justiça e a segurança devam permear o desenvolvimento econômico-social. 

Certamente há que notar-se a contradição premente entre desenvolvimento econômico e redução de consumo. Nesta perspectiva, estando correta a interpretação de Antunes (2009), a própria CF precisaria ter sua orientação mudada, uma vez que é justo e sabido que as leis são feitas para a humanidade, não a humanidade para as leis. 

Evitando o mal de Ícaro, não se deve voar tão alto. A análise desta pesquisa se limita a dois diplomas legais muito mais modestos, o Código de Defesa do Consumidor e à Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, em seus aspectos que podem ser associados à redução generalizada do consumo. 



3 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E CONSUMERISMO 

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi instituído em 1990 como ferramenta de proteção da ordem pública, do consumidor e do interesse social por meio do desenvolvimento da Política Nacional das Relações de Consumo. A referida norma determina como consumidor toda pessoa física, jurídica ou coletividade que adquira ou utilize algum produto ou serviço como destinatário final. Além desta, o Art. 3º do CDC também apresentada as definições de fornecedor, produtos e serviços. 

Conforme Defossez (2017) o direito do consumidor no Brasil é determinado como um valor constitucional, fato que a autora considera um erro, ao analisar a prevalência do mesmo sobre as regulamentações específicas, como no caso da Agência Nacional de Aviação, ou da Convenção de Montreal, cujas determinações têm sido preteridas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em favor da interpretação do CDC nas demandas do setor de aviação. Para a autora este alto nível jurídico dado ao direito do consumidor não garante a preservação de seus interesses e ainda lança pesados fardos sobre os fornecedores devido, à criação de incertezas jurídicas. 

O Art. 4º do CDC, sobre a Política Nacional das Relações de Consumo, sustenta como metas, entre outras, proteger os interesses do consumidor, melhorar a sua qualidade de vida e a buscar a harmonia e transparência quanto às relações de troca. Nessa perspectiva a oposição entre crescimento econômico e consumerismo produz uma contradição explícita. 

Em outros termos, ou a lei defende a qualidade de vida do consumidor, propiciada pela redução da pegada ambiental, ou apoia os interesses econômicos e a harmonia das relações de consumo, materializados no crescimento da economia, que é um subproduto do aumento de consumo. 

A contradição exposta deriva do fato de que o texto legal foi produzido em um ethos diverso do atual e por relações de poder anteriores à disseminação do consumerismo, encontroando-se em processo de obsolescência, que pode gerar conflitos de interesse quanto à defesa e expressão de objetivos políticos potencialmente contraditórios. 

Em um cenário provável de generalização do consumerismo algo que não se deve esperar é a harmonia nas relações de consumo. O consumo consciente deprime os preços, tornando certas escalas de produção proibitivas e ampliando a concorrência, que se desencadeia em falências, redução do nível de emprego e renda, ou seja, um ciclo vicioso depressivo no qual certos agentes econômicos, especialmente os fornecedores, tornam-se vítimas potenciais das novas relações de consumo, vítimas estas que não estão sob o amparo dos objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, a qual reconhece apenas a vulnerabilidade do consumidor e não das demais partes envolvidas nas relações de troca. 

Tal perspectiva se torna ainda problemática em relação à legislação internacional, no que diz respeito à reciprocidade, uma vez que outros parceiros comerciais importantes do Brasil, como os Estados Unidos e a União Europeia não têm a mesma estrutura constitucional de proteção ao consumidor, conforme Defossez (2017). Este fenômeno fragiliza a competitividade das empresas nacionais e desestimula o investimento estrangeiro em diversos setores. 

O artigo quarto do CDC adota como fundamento compatibilizar o desenvolvimento tecnológico e econômico com os interesses do consumidores, a fim de favorecer os fundamentos em que se assentam a ordem econômica, sem prescindir da boa-fé e da manutenção de relações equilibradas em relação ao consumo. (CUNHA, 2005). 

Em visita ao disposto no artigo 170 da Carta Cidadã, observa-se que a ordem econômica se fundamenta sobre o trabalho humano, a livre iniciativa e tem como objetivos assegurar a existência digna de todos em observância à justiça social. 

São princípios assegurados constitucionalmente para a manutenção da ordem econômica, dentre outros, a livre concorrência, a defesa do consumidor e, curiosamente vetado e alterado pela Emenda 42 a defesa do meio ambiente, que voltou a vigorar em 2003, com adendos. 

Os vetos ao Art. 170 da CF não alteraram os demais princípios referentes ao emprego, propriedade, livre iniciativa[1], etc…, com manutenção do inciso IX, que visa proteger empreendimentos nacionais de pequeno porte. Quanto às demais empresas, médias e grandes, não foi encontrado nesses diplomas legais proteções específicas em relação ao consumerismo. 

Não obstante, são estas pessoas jurídicas as mais ameaçadas pelo fenômeno, uma vez que seus planos de ação e estratégias de investimento, devido à escala em que trabalham, são concebidos em uma perspectiva de crescimento do consumo a longo prazo. 

De outro ponto de vista, dentre os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo do CDC, consta o compromisso de prestação de informações aos consumidores quanto aos seus direitos, o incentivo aos fornecedores para gestão do controle de qualidade, além da criação e manutenção de ferramentas para solucionar conflitos de consumo, repreender a deslealdade na concorrência e a criação de símbolos, produtos, marcas e nomes comerciais nocivos aos consumidores. 

É nesse aspecto legal, instituído pelo inciso VI do Art. 4º do CDC, que pode aventar-se a disposição de conflito ao provar-se o incentivo, por parte dos fornecedores, ao consumo irrefletido, ou de substâncias potencialmente danosas ao consumidor, ou ao meio em que vive, uma vez que um ambiente degradado efetivamente provoca prejuízos de diversas naturezas, gerando o direito à reparação, sustentado pelo Art. 5º da CF, pelo qual as empresas podem ser juridicamente responsabilizadas. 

Neste aspecto, artigo sexto do CDC é ainda mais claro, em seu inciso primeiro, prescrevendo como direito básico do consumidor ter protegida a segurança, a saúde e a vida dos riscos oferecidos por praticas inadequadas quanto ao fornecimento de serviços ou produtos “nocivos”. 

Além disto, o inciso IV implica na proteção do consumidor contra publicidade enganosa e abusiva, de modo que permite a interpretação de que os danos ao meio ambiente provocados pela maioria dos produtos industrializados sejam entendidos como efeito de má-fé nas relações comerciais, já que seus conhecidos processos deletérios não são claramente destacados nas campanhas publicitárias, uma vez que reverteriam o efeito do marketing. 

Reza o CDC, em seu artigo sexto, inciso sexto, que é direito do consumidor a efetiva reparação dos danos causados pelas relações de consumo, sejam patrimoniais, morais, individuais, coletivos ou difusos. O Art. 81 define direitos difusos como aqueles indivisíveis por natureza, transindividuais e dos quais pessoas indeterminadas são de fato titulares. 

Essas cláusulas legais abrangem os danos ambientais causados por fornecedores, cujo ônus da prova têm reversão garantida pelo inciso VIII do Art. 6 em caso de hipossuficiência de provas, assim como deve-se observar a solidariedade da reparação em casos envolvendo mais de um autor, conforme o parágrafo único do Art. 7. 

Em favor dos fornecedores o Art. 8, na Seção I do CDC, que trata da proteção à saúde, atenua a norma, indicando que os produtos não podem fornecer riscos à segurança e saúde dos consumidores, excetuando-se aqueles que são considerados oriundos da natureza dos produtos, caso em que o fornecedores ficam obrigados a prestar as informações adequadas sobre os riscos. 

O aspecto supracitado da norma jurídica permite ao magistrado ponderar em que medida o risco causado por um produto disponibilizado no mercado pode ser considerado normal, não obstante a obrigação do fornecedor de publicar a existência de tais riscos, sendo que aqueles relativos à contaminação, nocividade ou perigo à saúde, ou segurança, devem ser informados de maneira ostensiva e adequada, conforme ordenam os Art. 8 §2 e Art. 9 do CDC. 

A ignorância da periculosidade de um produto não diminui a obrigação do fornecedor de informar ostensivamente sobre a mesma, assim que tiver conhecimento dos fatos, tão pouco mitiga a sua responsabilidade sobre os efeitos. Outrossim, independentemente da culpa, os fornecedores respondem pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos em geral, assim como por falhas de comunicação acerca dos riscos apresentados pelos produtos, conforme o Art. 12 do CDC. 

A norma, em seu Art. 37 §1 determina como enganosa toda publicidade que, mesmo por omissão, possibilite levar o consumidor ao engano sobre as características, natureza, quantidade preço, origem e demais propriedades do serviço ou produto. Nestes termos, não é absurdo sustentar que o incentivo a hábitos de consumo considerados como danosos ao ambiente possam ser interpretados como efeito de campanhas publicitárias que não informem ostensivamente os riscos ambientais provocados pelos produtos ofertados, ensejando ações reparatórias das mais diversas modalidades. 

O parágrafo segundo do Art. 37 é ainda mais específico quanto ao incentivo de fornecedores ao consumo irresponsável ou de produtos potencialmente danosos, classificando como abusiva toda publicidade que produzem ou incentivam o consumidor a desrespeitar os valores ambientais, induzindo-o a comportamentos danosos à segurança ou à saúde. 

Por fim, o Art. 51, XIV do CDC dita que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem ou viabilizem a infração da legislação ambiental. Não obstante, conforme o Art. 61 e 63 do mesmo diploma legal, constitui crime contra as relações de consumo a omissão de informações ostensivas acerca do perigo ou nocividade dos produtos em suas embalagens, invólucros ou publicidade. Da mesma forma é ato criminoso a publicidade enganosa e a omissão às autoridades de informações técnicas relevantes quanto ao perigo potencial de produtos e serviços. 

As penas prescritas variam de detenção de seis meses a três anos e multa. As mesmas podem ser agravadas se os fatos ocorrerem em períodos de calamidade, grave crise econômica, envolvam alimentos ou produtos essenciais, dentre outros. 



4 OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E CONSUMERISMO 


A Lei Nº 8.137, de 1990 define os crimes contra as relações de consumo e a ordem tributária. Por tratar-se de legislação específica sobre o tema, propõe-se uma análise dos pontos ligados direta ou indiretamente às causas e efeitos do consumerismo. 

O estatuto supracitado, em seu artigo sétimo, inciso sete, considera criminosa a indução do usuário ou consumidor ao erro, em caso de indicação ou propagação de informação enganosa ou falsa sobre o serviço ou produto através de publicidade ou outro meio de comunicação. Essa é a caracterização de crime “contra as relações de consumo”. (Lei Nº 8.137/90). Considerando-se a criminalização da indução ao erro, entende-se que o estímulo, por parte dos fornecedores, a hábitos de consumo ou produtos com potencial de danos à saúde, ou ao meio ambiente, se enquadra, também, na mesma tipificação criminosa. 

Vieira (2010, p. 641) caracteriza a sociedade de consumo por sua vulnerabilidade em relação à necessidade de defesa do consumidor por meio das normas jurídicas orientadas para tal função, as quais são condicionadas pelos princípios e valores constitucionais, em reconhecimento simultâneo da ausência de hierarquia entre os fundamentos da ordem econômica e os direitos fundamentais, em sua vinculação horizontal quanto à eficácia. 

Em uma perspectiva jurídica horizontalizada da relação entre a ordem econômica e os direitos fundamentais, protegidos pelo Art. 5 da CF, as disputas que podem surgir acerca dos efeitos da redução do consumo tendem a produzir grandes embaraços decisórios, uma vez estabelecida a contradição entre desenvolvimento e consumerismo.



5 CONCLUSÃO 


A leitura e interpretação do Código de Defesa do Consumidor a partir da perspectiva de um avanço agressivo do consumerismo na sociedade brasileira mostrou que o direito do consumidor no Brasil é determinado como um valor constitucional, assentado na quinta cláusula pétrea da Carta Cidadã. 

Por outro lado, a mesma base fundamental do ordenamento jurídico brasileiro defende a saúde, a habitação, propriedade, a liberdade e todas as demais garantias fundamentais atinentes aos direitos humanos, de modo que enquanto as relações de consumo mantiverem-se em harmonia com as condições mínimas de dignidade humana não há contradição na lei, pois que estes fundamentos permanecem em estado de horizontalidade jurídica. 

Entretanto, uma abrupta, sistemática e persistente redução no consumo pode desarmonizar tais fundamentos, uma vez que promove a depressão das condições mínimas de estabilidade econômica e, portanto, interfere tanto na capacidade do Estado de fomentar os direitos essenciais, quanto na do mercado de manter o equilíbrio de trocas. Nestas circunstâncias far-se-á necessário hierarquizar as normas constitucionais, privilegiando ou as relações de consumo, ou os direitos humanos. 

A emergência do conflito jurídico entre o Art. 5 da CF e o Código de Defesa do Consumidor, derivado das condições ambientais em curso, é uma oportunidade de repensar o ordenamento jurídico brasileiro como um todo e de estabelecer novos status normativos tanto para as relações de consumo, quanto para a defesa dos direitos humanos. 



REFERÊNCIAS 

ANTUNES, Júlia Caiuby de Azevedo. A previsibilidade nas condenações por danos morais: uma reflexão a partir das decisões do STJ sobre relações de consumo bancárias. Rev. direito GV, São Paulo , v. 5, n. 1, p. 169-184, June 2009 . Disponível em: . Acesso em 17 out. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322009000100009

ABREU, Célia Barbosa e Tibúrcio, DALTON ROBERT Oferta obrigatória de planos de saúde individuais e familiares: livre iniciativa e direito fundamental à boa regulação. Rev. Investig. Const., Ago 2018, vol.5, no.2, p.209-233. ISSN 2359-5639 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 17 nov. 2019. 

CUNHA, Patrícia G. M. Aplicação de acordos Internacionais à luz do direito do consumidor. 2005. 64 f. Monografia (Bacharelado) - Curso de Direito, Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2019. 

DEFOSSEZ, Delphine aurelie Laurence. Consumer law in Constitution: a big mistake? The specific case of aviation in Brazil. Rev. Investig. Const., Dec 2017, vol.4, no.3, p.61-83. ISSN 2359-5639. 

VIEIRA, Nelise Dias. Constitutional interpretation of the development risks in the brazilian consumer's law: national and international legal views. Rev. direito GV, São Paulo , v. 6, n. 2, p. 641-644, Dec. 2010 . Disponível em: . Acesso em 17 out. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322010000200014

[1] Abreu e Dalton Robert (2018) observam que, no caso do setor de planos de saúde, o direito à livre iniciativa foi suplantado pelo direito fundametal à boa regulação, a partir de legislação específica. 


*Aluna do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental - FAAO.
** Professor da Disciplina de Direito Civil.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

ALIMENTOS GRAVÍDICOS: A PROTEÇÃO AO NASCITURO E A INSEGURANÇA TRAZIDA AO SUPOSTO PAI

Aldenir Gomes de Paiva*






RESUMO

A Lei 11.804 de 5 de novembro de 2008, a Lei de Alimentos Gravídicos, tem o objetivo de resguardar os direitos de amparo da mulher gestante, bem como proporcionar o pleno desenvolvimento do nascituro. O valor determinado será usado para custear despesas adicionais do período da gravidez e dela decorrentes. A lei é recente e trouxe grande repercussão no meio jurídico e social. A principal inovação é que não se exige a comprovação de paternidade para a exigência da verba, basta haver indícios suficientes para convencer o Magistrado de que aquele que foi indicado realmente é o pai do nascituro. Este trabalho tem como objetivo analisar as mudanças trazidas pela lei, conceituando os beneficiados e explanando a respeito das soluções para a insegurança do suposto pai. Através da pesquisa, conclui-se que a Lei de Alimentos Gravídicos, além de proteger a gestante e o nascituro, traz celeridade nos processos de prestação alimentícia.

Palavras-chave: Alimentos Gravídicos. Gestante. Nascituro. Lei 11.804/08

                                                          
1. INTRODUÇÃO


A lei 11.804/08, Lei de Alimentos Gravídicos, trouxe uma maior segurança a mulher gestante. Antes do advento da lei, a mulher enquanto gestante, não usufruía de nenhum direito até a chegada do filho. Hoje, com a Lei de Alimentos Gravídicos, a gestante pode exigir do suposto pai uma verba para custear as despesas adicionais do período de gestação e dela decorrentes. 
A mulher gestante tem a possibilidade legal de representar o nascituro, exigindo do possível genitor uma verba alimentícia. O Magistrado deve se convencer por meio de indícios de que houve um relacionamento amoroso entre a autora e o réu, fixando um valor baseado no binômio entre a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante.
Leandro Soares Lomeu (2004, p.317) define alimentos gravídicos: 

Os alimentos gravídicos podem ser compreendido como aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez, sintetizando, tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares e outros.

A lei 11.804/08 possuía 11 artigos em seu texto original, mas teve diversos deles vetados por se contraporem ao ordenamento jurídico pátrio.. A nova lei   trouxe muitos questionamentos no meio jurídico e social, pois ultrapassou limites da tradição dando direito e lugar a mulher que engravida sem ser casada ou manter relacionamento estável com o suposto pai.
Antes da Lei 11.804 de 5 de novembro de 2008, a gestante não usufruía de nenhum direito até a chegada do filho. O advento da lei de Alimentos Gravidicos trouxe grande repercussão no mundo jurídico, mas ainda é pouco conhecida no meio social e principalmente por aquelas que mais lhe interessa: as gestantes. O presente trabalho visa explanar a respeito da lei que ficou conhecida como a ‟lei da pensão para as grávidas‟ além de pontuar sobre a dignidade da pessoa humana do nascituro e a insegurança trazida aquele que é indicado como pai.
O objetivo principal é esclarecer sobre a possibilidade legal que a mãe possui para representar o nascituro e acionar o possível genitor o exigindo uma prestação alimentícia, sendo os valores fixados por meio de indícios que convencerão ou não o Magistrado. O trabalho também esclarece que a demanda não está condicionada ao reconhecimento da paternidade, mas ao mesmo tempo, a lei não exclui a possibilidade do réu de entrar, posteriormente, com um pedido de investigação de paternidade.
Além disso, é válido frisar que, através de ação própria, o réu poderá pleitear indenização contra a mãe que recebeu as prestações de alimentos gravídicos e ao indicar o suposto pai, agiu de má fé ou cometeu abuso de direito. Trata-se de uma análise das consequências negativas e positivas da lei em comento e as reflexões que foram trazidas no mundo jurídico.
A responsabilidade da prestação alimentícia surge antes mesmo do nascimento da criança, pois a lei obriga o genitor a prestar a assistência a gestante, que ali representa o nascituro, e com a chegada do filho, a verba se converterá automaticamente em pensão alimentícia sendo passível de revisão ou até mesmo extinção. A lei, apesar de recente, trouxe eficácia e afasta dispositivos dos projetos que traziam um procedimento moroso, imprimindo um rito mais curto que o da própria lei de alimentos.
Discorrer sobre alimentos gravídicos é falar de um assunto pouco conhecido pela maioria dos brasileiros. Beviláqua (1980, p. 863 apud PARIZATTO, 2008, p. 139) define que: “alimentos, na terminologia jurídica significam sustento, habitação, vestuário, tratamento por ocasião de moléstia, e, quando o alimentário for menor, educação e instrução”. Sendo assim, alimentos compreende tudo aquilo que se faz necessário para sustentar o alimentado.

O Código Civil de 2002 não define o conceito de alimentos, mas o art. 207 da Constituição Federal assegura a criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade. Desta forma, a obrigação alimentar deve suprir todos esses direitos acima citados.
O alimento gravídico é uma verba de caráter alimentar e seu valor deve ser destinado as despesas durante o período gestacional, bem como as despesas do momento da concepção ao parto, assistência médica, internações, assistência psicológica, exames complementares e demais necessidades indispensáveis à saúde da gestante.
É válido frisar que a lei em comento não exclui a participação da mulher dentro de suas possibilidades. O pai e mãe devem ter justa e igual participação na educação e nas despesas geradas pelo filho, começando desde a gestação até após o nascimento. Os integrantes da família são credores e devedores ao mesmo tempo, obedecendo o princípio da solidariedade familiar.
A lei baseia-se em diversos princípios constitucionais, tais como: dignidade da pessoa humana, igualdade, proteção integral, direito à vida, da proporcionalidade, dentre outros. Os princípios, após a Constituição de 1988, passaram a ter força normativa e expressam os valores éticos e morais de uma sociedade, eles refletiram não só na Constituição, mas também em diversos ramos do Direito, principalmente no Direito de Familia e servem para dar uma maior segurança as leis, como por exemplo a de Alimentos Gravidicos. 

CONCEITO DE NASCITURO E BASE JURÍDICA

Inicia-se discorrendo acerca do conceito de nascituro e as leis que cercam o assunto. O nascituro é o principal alvo da Lei de Alimentos Gravidicos, tendo em vista, que através da mãe, ele deve ser representado e ter todos seus direitos resguardados para que possua pleno desenvolvimento. 
Tratando-se de filosofia, o nascituro é pessoa, por já trazer consigo características de um ser racional. No Direito Romano, para que pudesse ser tido como pessoa, eram necessárias duas características: o nascimento perfeito e o status. No dicionário jurídico, o nascituro é o ser humano já concebido que está por nascer, ele não possui personalidade civil até que nasça com vida, mas a lei trata de resguardar seus interesses.
Conforme ensina o constitucionalista Alexandre de Moraes (2008, p.36):

O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter vida digna quanto a subsistência

Assim, o nascituro deve ser resguardado desde o momento em que foi concebido. O Direito de Família sempre busca respostas rápidas e expressivas para solucionar os anseios da sociedade. A obrigação de alimentos é uma característica da família moderna, seja ela de laços biológicos ou afetivos. A lei de alimentos gravídicos veio para responder os anseios da mulher moderna, mas que se encontra em estado de necessidade. 
A natureza jurídica dos alimentos gravídicos é uma mistura de pensão alimentícia com responsabilidade civil. Antes desta lei, muitas mulheres pleiteavam a pensão alimentícia durante a gravidez e apesar de serem similares, a verba gravídica e a pensão alimentícia não se confundem. 
Encerrada a gravidez, a prestação dos alimentos gravídicos não se extingue, mas há a conversão em pensão alimentícia. Essa conversão acontece de maneira automática sem que se precise pronunciar judicialmente. Quando há a conversão, o titular do direito que era a mãe, passa a ser o filho. Vale ressaltar que o judiciário só precisa ser acionado em caso de exoneração, redução ou majoração dos alimentos.
O valor dos alimentos gravídicos é fixado a partir do momento que é comprovado que a gestante não possui condições de auto sustento e que isso pode influenciar negativamente no desenvolvimento do feto. O valor deve custear despesas que vão da consulta médica até o parto.
Se tratando de Filosofia, nascituro é pessoa por já trazer consigo todos os adjetivos de um ser racional. Se tratando de maturidade, para a Filosofia, essa característica no nascituro em nada se difere de um recém-nascido. É sabido que no Brasil a laicidade é garantida juridicamente, ou seja, o Estado não pode está ligado a nenhuma igreja, mas não se pode negar que a Igreja Católica influenciou intensamente no Direito e no que se refere ao nascituro, ela também se posiciona. A Igreja Católica é totalmente contra ao aborto o que já sugere a proteção ao nascituro, além disso, através de documentos, defende o direito do nascituro á vida antes mesmo de defender seus direitos patrimoniais
Para o Direito Romano, para que se fosse reconhecido como pessoa física eram necessárias duas condições: o nascimento perfeito e o status. Para que o nascituro viesse a ter direitos e efeitos jurídicos era preciso ocorrer o nascimento com vida, ter forma humana e ser viável o neonato, este último era um requisito que tinha como finalidade uma determinação de tempo onde haveria a possibilidade de ser completada a gestação de modo que o filho conseguisse viver após vir ao mundo.
O Direito Romano entra em contradição diversas vezes, apesar das condições estabelecidas, em certos aspectos equipara o nascituro ao próprio nascido. Os romanistas tem como direitos garantidos ao nascituro o direito aos alimentos, direitos a posse em nome do nascituro e outros. No direito romano clássico, existia casos em que se tutelava o direito à vida ao nascituro através da repressão ao aborto, ou em casos, por exemplo, da mulher grávida que por algum motivo foi condenada a pena de morte e a pena só é executada após o parto.
O direito brasileiro se espelhou nas Ordenações do Reino de Portugal que teve sua Constituição baseada inicialmente no Direito Romano. Por esse motivo, não é difícil encontrar um grande número de semelhanças nestes ordenamentos. Por muito tempo, o Brasil foi regido pelas Ordenações Filipinas que por sua vez já dava alguns direitos ao nascituro. Exemplo disso é que foi estabelecido que, caso um homem viesse a óbito e sua esposa estivesse grávida, o nascituro já deveria ser resguardado e considerado como filho.
Um dos aspectos polêmicos da lei é o termo inicial. Para uns, é a concepção da criança e para outros é citação do requerido. Maria Berenice Dias (2009, p. 481) explica sua visão sobre o assunto:

A Constituição garante o direito à vida (CF 5º). Também impõe a família, com absoluta prioridade, o dever de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação (CF 227). Além disso, o Código Civil põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC 2º)(...)com o nome de gravídicos, os alimentos são garantidos desde a concepção. A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados os direitos do nascituro

O que parece mais sensato é não adotar a citação do requerido como termo inicial, tendo em vista que assim se exclui a possibilidade do requerido utilizar manobras e usar má fé para garantir morosidade no processo. Porém, o que tem sido utilizado é a citação do requerido como termo inicial, usando como argumento que a concepção da criança pode premiar algumas gestantes que tardarão em pleitear os alimentos gravídicos por saberem que em qualquer momento os alimentos serão prestados reatroativamente.
A Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de família. Antes o conceito era completamente retrógado e patriarcal. O homem detinha total poder sobre a mulher e os filhos. Nos últimos anos, é incontestável a evolução cultural e comportamental da sociedade, com essa evolução surgiu a chamada família homafetiva que ainda traz bastante polêmica no meio social. 
A união homoafetiva deve ter os seus direitos resguardados se for fundada em uma convivência diária, sem impedimentos, livre, com comunhão de vida e de forma pública. Sobre o assunto, Dias (2000, p.17) comenta:

As uniões homoafetivas são uma realidade que se impõem e não podem ser negadas, estando a reclamar a tutela jurídica, cabendo ao Judiciário solver os conflitos trazidos. Incabível que as convicções subjetivas impeçam seu enfrentamento e vedem a atribuição de efeitos, relegando a marginalidade determinadas relações sociais, pois a mais cruel consequência do agir omissivo é a perpetração de grandes injustiças.

Na família homoafetiva, existe a possibilidade de duas mulheres, em um certo momento, decidirem ter filhos. Através da tecnologia e do avanço social, esse desejo pode ser atendido de diversas formas, como por exemplo, por meio da adoção ou da inseminação artificial. Nesta ultima, não há a necessidade de conjunção carnal entre o homem e a mulher, o que acontece é a busca pelo banco de esperma. 
Apesar da lei trazer em seu texto o termo “futuro pai” e deixando a entender que o sujeito passivo só poderá ser a figura masculina, é preciso se faça uma análise da essência da lei e aplicar o principio da analogia. Observa-se que a intenção do legislador é resguardar o nascituro através da mãe, então isso deve ser feito e respeitado independente de escolhas sexuais.
Sobre o assunto, explica Farias (2013, p.03):

Mesmo que não contemplados no art. 1.694 do CCB/2002, este que prevê sua possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros, os alimentos são devidos na união homoafetiva, eis que decorrem, logicamente, de princípios constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade humana, que, repita-se à exaustão, não pode ser vislumbrado como valor abstrato, desprovido de concretude. Ora, se a relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento homoafetvo. lastreia-se no afeto e na solidariedade, não há motivo para deixar de reconhecer o direito a alimentos, em favor daquele que necessita de proteção material.

A Lei de Alimentos Gravídicos trouxe reflexos no meio jurídico e no meio social. Uma inovação que ainda causa polêmica é que ela afasta a tradicional cognição de provas, dando ao Magistrado a possibilidade de se convencer por meio de apenas indícios de paternidade ainda que a prova não seja cabal.
A justificativa para a dispensa de provas robustas é que se houver morosidade e burocracia, a gestante e o nascituro ficarão desamparados, o que poderá causar danos irreversíveis. O que se verifica é que além de proteger, a lei visa dirimir a irresponsabilidade paterna. Não é incomum que em casos de relacionamentos casuais o pai negue a paternidade, o que não o impede de pagar os alimentos gravídicos e, após o nascimento do filho, exigir o exame de paternidade.
O magistrado deve analisar todos os indícios apresentados pela autora. Mas em casos em que a gestante aponta um suposto pai, ele é condenado a pagar a verba e, após o nascimento da criança é feito um exame de DNA que, caso comprove a negativa de paternidade, a autora deve ser responsabilizada subjetivamente. 
Se a autora for responsabilizada subjetivamente, precisa ser demonstrada a sua culpa e sobre o assunto, a autora Regina Beatriz Tavares da Silva (2008, p.08) explica:

Permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação. Note-se que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, daquele princípio pelo qual se a pensão for paga indevidamente não cabe exigir a sua devolução.

Aquele que foi condenado a pagar os alimentos gravídicos indevidamente, deverá comprovar, por meio de demonstrativos, os danos materiais e é plenamente cabível o pedido de danos morais, pois além do encargo financeiro, existe um abalo psicológico e emocial muito grande. 
Neste sentido, explica Fabio Maioralli (2010, p.05): 

O dano moral é mais que caracterizado, pois somente a potencialidade de ter um filho já gera uma desestabilidade pelo fato de ao nascer, notoriamente as obrigações e o vínculo com a prole é personalíssima, intransmissível, mudando completamente o planejamento de vida do homem que supostamente seria o pai, mas não é.

Não satisfeito com o pedido de danos materiais cumulado com o pedido de danos morais, alguns autores defendem o pedido de litigância por má-fé comprovando a conduta dolosa da autora. Neste sentido, Douglas Phillips Freitas (2010, p.10) explica:


Existem outras possibilidades àquele foi indicado como pai e pagou indevidamente os alimentos gravídicos reaver o valor despendido. 
Com o objetivo de interpretar e esclarecer o marco inicial da vida no ordenamento jurídico brasileiro, foram criadas diversas teorias civilistas. O começo da personalidade jurídica é de suma importância para todo o Direito, tendo em vista que envolve questões penais, processuais, de direito sucessório, familiar e outros.

O direito à vida é considerado o mais importante e deve ser resguardado pelo Estado de maneira efetiva e eficaz. Este direito deve ser protegido e resguardado para os nascidos e para os concebidos. E é importante lembrar de que quando se trata dos direitos dos nascituros não se fala apenas dos direitos extrapatrimoniais, mas dos patrimoniais também. É resguardado ao nascituro o direito de receber doações, legados, herança e outros.
A repetição indébito é uma medida processual em que se objetiva a devolução do valor pago indevidamente. Os alimentos possuem como principal característica a irrepetibilidade, mas isto deve ser flexível para não gerar danos em casos peculiares. A irrepetibilidade dos alimentos encontra-se na lei de alimentos, mas deve-se lembrarque a lei de alimentos gravídicos, por não exigir provas robustas, é passível de insegurança.
Outra alternativa para àquele que foi condenado indevidamente, é a ação “in rem verso”. Este tipo de ação é dirigida contra o pai biológico em casos em que ele age com dolo, ou seja, sabia da existência do nascituro, mas se omitiu para não ter que custear nenhum tipo de despesa deixando que um terceiro fizesse isso no seu lugar.
É também conhecida como a ação de enriquecimento sem causa e isto acontece sempre que houver uma vantagem de cunho econômico de alguém em detrimento de outrem. Este tipo de ação serve para reequilibrar patrimônios que foram destituídos indevidamente. A única ressalva a este tipo de ação, é que ela possui caráter subsidiário. Ou seja, havendo um outro meio para que seja reavido o prejuízo sofrido, a ação “in rem verso” não poderá ser utilizada. É comumente usada em casos de prescrição de ações indenizatórias e da ação de restituição indébito, uma vez que o prazo prescricional é de 3 anos.
Além da repetição indébito e ação de enriquecimento sem causa existe ainda a possibilidade da prestação de caução. Mas esta últims não é muito utilizada, pois não coincide com a realidade da maioria das gestantes. Aquelas que procuram o judiciário a fim de pleitear ação de alimentos gravídicos, em sua maioria, não possuem condições financeiras favoráveis à prestação de caução.
O Estado tem total interesse em manter a celeridade dos processos de prestação de alimentos, apesar da grande demanda, pois as normas de caráter alimentar dizem respeito as necessidades vitais de qualquer ser humano. Quando o Estado deixa de observar as normas relativas a esse direito, cresce o número de pessoas carentes e desprotegidas, além de maiores prejuízos posteriormente. E comum que a sociedade associe a obrigação alimentar ao homem, seja pai, marido ou companheiro, mas é importante frisar que a obrigação de prestar alimentos é dos parentes, sendo eles os ascendentes, descendentes, cônjuges e irmãos.
No que diz respeito a natureza jurídica dos alimentos, há bastante controvérsia. Muitos consideram os alimentos como um direito extrapatrimonial levando em conta o fato de que aquele que recebe não possui nenhum interesse econômico, visto que a verba não tem a finalidade de aumentar o seu patrimônio, mas apenas manter a sua subsistência. Outros, como Diniz, caracterizam os alimentos como direito patrimonial com finalidade pessoal, uma vez que há um pagamento de quantia certa e periódica com a função de manter vivo o alimentado. Como visto, o tema não é pacífico, tendo ainda quem se arrisque a caracterizá-lo como sendo de natureza mista.
A obrigação da prestação de alimentos é uma característica da família moderna, seja ela de laço biológico ou afetivo. A partir do momento que a pessoa, mesmo que com renda, não consegue obter recursos o suficiente para se manter e sustentar a família, a obrigação de alimentos passa a ser imputada ao Estado, que por meio da lei, impõe quem será o verdadeiro responsável pelos alimentos. Deste modo, o direito a alimentos é um direito voltado ao indivíduo com conteúdo patrimonial e função pessoal.

Atualmente, o direito de família foi desligado da relação patriarcal e passou a ser baseado nas necessidades e interesses dos diversos integrantes da família, mas sempre priorizando o melhor interesse da criança e do adolescente. É por esse motivo, que o Estado passou a responsabilizar os parentes como prestadores de alimentos. Baseando-se nos princípios da capacidade financeira e da solidariedade familiar são devidos os alimentos aos parentes, cônjuges, companheiros ou pessoas ligadas afetivamente quando o principal interessado não tem bens suficientes ou não pode prover pelo seu trabalho a sua mantença.

A obrigação alimentar obedece alguns pressupostos para a sua concessão: existência de um vínculo de parentesco, necessidade do reclamante, possibilidade econômica do obrigado e proporcionalidade. Quando se fala na existência de um vínculo de parentesco é valido lembrar que nem todo parente tem obrigação alimentar, apenas os ascendentes, descendentes e irmãos bilaterais ou unilaterais.

CONCLUSÃO 

Conclui-se que a Lei 11.804/08 tem trazido uma maior segurança àquelas mulheres que estão gestantes ou que pretendem futuramente ter filhos. Objetivando−se uma maior celeridade nos processos de prestação alimentícia criou−se a Lei de Alimentos Gravídicos a fim de proteger a gestante e o nascituro não só no que diz respeito à alimentação, mas também todas as despesas decorrentes da gravidez.
Preencheu uma grande lacuna deixada por leis anteriores, pois não exige a comprovação da paternidade para que seja fixado o quantum dos alimentos gravídicos. Mas são notórias as controvérsias deixadas pela lei. Infelizmente, é uma lei ainda pouco conhecida pelas principais interessadas, mas que tem sido de grande eficácia para aquelas que a conhecem e usufruem.
O assunto aqui tratado é inesgotável e digno de bastante análise. Diante do que foi exposto, se extrai a informação de que o nascituro, sendo representado pela gestante, tem entre outros, o direito à vida, à saúde e alimentos. Portanto, verifica−se que o legislador buscou pacificar através da Lei de Alimentos Gravídicos, a ideia de que o nascituro deve ser resguardado.
O artigo 5º também foi vetado pelo então presidente, o artigo regia qual procedimento devia ser adotado na ação de alimentos gravídicos, determinando assim que seria obrigatório uma designação de audiência de justificação e este procedimento não é obrigatório em nenhum outro tipo de ação de alimentos tendo em vista que causa um atraso no processo e a ação de alimentos gravídicos, principalmente por se tratar de uma necessidade especial, precisa ser célere e eficaz.
O artigo 8º foi vetado por condicionar, em caso de oposição de paternidade, a sentença de procedência á realização de exame pericial. A medida vai contra a sistemática processual adotada atualmente, a pericia não é colocada como condição de procedência da ação, mas é colocada como elemento prova. E no caso dos alimentos gravídicos, comprovadamente, não se indica a realização do exame pericial de DNA durante a gestação, pois além de ter um custo muito alto, traz sérios riscos a saúde e ate a vida do bebê.
O artigo 9º também foi vetado, ele previa que os alimentos seriam devidos desde a citação do réu. Porém, sabe−se que o ato citatório nem sempre acontece maneira célere e nem sempre atende a urgência que uma ação de alimento requer. A demora pode ser causada pelo próprio réu que, sabendo que lhe será exigido algo, pode utilizar manobras para impedir o ato citatório. Sendo assim, a lei de alimentos gravídicos perderia sua eficácia, pois geraria a possibilidade do auxilio financeiro só ser obtido já no final da gestação ou até mesmo apenas com o nascimento da criança.
A cognição sumária feita pelo magistrado, deve ser, acima de tudo, perspicaz e cautelosa, tentando minimizar qualquer tipo de dano para ambas as partes do litígio. Os alimentos gravídicos permitirão uma maior tutela as gestantes e aos futuros filhos que precisam ser prioridades na vida do suposto pai.
A verba aqui analisada deve ser estabelecida conforme as peculiaridades de cada caso para que não haja irresponsabilidades advindas do pai e nem má fé, nem tampouco má utilização ou excessos por parte da autora.
Fica demonstrado, diante da análise feita no presente trabalho, que a lei 11.804/08 protege o nascituro e a gestante, mas deixa a desejar no que diz respeito a reparação de possíveis danos causados de maneira errônea àquele que foi apontado como pai e que posteriormente, através de exame clinico de DNA, foi comprovado a negativa de paternidade.
A lei em comento não afasta a possibilidade de indenização em casos como citados acima. Porém, é notório que não existe a celeridade da reparação do dano causado como verifica-se na ação de exigência dos alimentos gravídicos.
O princípio da irrepetibilidade deve ser flexível de acordo com cada caso concreto, pois provado que o réu não é o pai biológico e que foi indevidamente cobrado, existe a possibilidade da gestante responder pela má fé ou abuso de direito. Além da gestante, pode ainda o pai biológico ser responsabilizado em casos em que for comprovado que ele tinha ciência da paternidade, mas se omitiu e prejudicou um terceiro.
Confirma−se no presente trabalho, que a Lei de Alimentos Gravídicos é extremamente importante para a sociedade, trazendo um maior respeito e cuidado com as gestantes, principalmente pelo fato de que a maiorias das ações é proposta por aquelas que não mantêm relação estável com o genitor.
A referida ação possui tempo certo e determinado para ser ajuizada. Vai desde a concepção até o nascimento da criança. Com o nascimento, não se extingue o processo, mas se converte automaticamente em pensão alimentícia, não tirando a possibilidade de revisão que pode ser requerida por uma das partes.
Houve uma evolução no conceito de família e a legislação, principalmente no Direito Civil, tem procurado responder os anseios de cada família, respeitando suas peculiaridades.
A lei 11.804 de 05 de novembro de 2008 veio no sentido de proteger e resguardar as gestantes e o nascituro sendo colocados em essência os princípios da Carta Magna, dando prioridade ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana para que os resguardados pela lei tenham o mínimo necessário para uma vida digna e saudável.
Os alimentos gravídicos devem ser estabelecidos respeitando a necessidade da autora e ao mesmo tempo a possibilidade do réu. Deve privilegiar a paternidade responsável e a solidariedade familiar equilibrando com a proteção integral e o melhor interesse da criança.
Por fim, percebe−se o quão importante é para a sociedade saber e usufruir das leis que a beneficia. A lei estudada é de grande relevância e eficácia. A análise é inesgotável, assim como tudo o que se refere a família.


Acadêmico do 4º ano de Direito da FAAO.



REFERÊNCIAS

GOMES, Orlando. Direito de Família, 11ª ed.Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.

LOMEU, Leandro Soares. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08. Site: www.ibdfam.org.br

RODRIGUES, Silvio.Direito Civil Volume 6.: Dos Alimentos: 28 ed. São Paulo:Saraiva, 2004, p.374-375.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988

TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os  direitosde personalidade. Revista da Escola Superior da  Magistratura de Sergipe. Sergipe, 2002.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS E OS INTERESSES DO ADOTANTE, DO ADOTANDO E DO ESTADO.


Suelange Gomes Horácio*



Este trabalho trata da possibilidade da adoção por casais homoafetivos como um direito do casal, bem como da criança e do adolescente. Ao longo dos anos o direito evoluiu para atender aos anseios da sociedade. O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pelo Supremo Tribunal Federal, trouxe novos questionamentos, sendo que tal fato motivou a abordagem do tema em estudo que objetiva elucidar de quem é o interesse na formação deste novo modelo de constituição familiar. No Brasil, ainda existe uma resistência muito grande, por parte de uma parcela da sociedade no que tange à adoção por casais homoafetivos e discussões a respeito da possibilidade de uma criança conviver com duas mulheres ou dois homens como seus pais têm sido cada vez mais frequentes. Os defensores da adoção homoafetiva utilizam-se do argumento deque de fato o que deve ser observado é o amor entre os pais e o filho e, principalmente, o melhor interesse do menor. No entanto, esta pesquisa de caráter bibliográfico comprovou que nem sempre é atendido o interesse das crianças e adolescentes uma vez que prevalece em muitas ocasiões os interesses do Estado e dos adotantes.
Palavras-Chaves: Adoção, Direito das Crianças e adolescentes, Homoafetividade.

ABSTRACT
This paper is abaut the possibilities of adoption by homo-affective couples as a right of the couple and as well as right of the child and adolescent. Over the years the right of the child has been evolved to meet the eagerness of society. The aprova lofsame sex marriage by the Federal High Courts bought new perspectives which motivated this study with the aim of elucidating the interesting party in this new family constitution. In Brazil, there is still a greatres is tenceby a part of the society concerning adoptions by homo-affective couples and discussions on possibilities of a child living with two women or two men as its parents have become more and more frequent. Those advocating in favor of homo-affective adoption make use of arguments justifying that love between parents and child must beobserved, especially of the best interest of the minor. However, this research of bibliographic character attested that not always are the interests of the child and adolescent met since, on many ocassions, the interest of the State and adopters were given priorty.
Key words: Adoption. Children and Adolescents rights. Homo-affectivity.


INTRODUÇÃO
A família é um dos institutos mais antigos e integrantes dos costumes de quase todos os povos, sendo que sua conceituação varia de acordo com a época e as tradições de cada povo, possuindo conceitos e finalidades diferentes em diversas épocas.
Nos dias atuais, as famílias vêm passando por importantes mudanças e novos paradigmas estão sendo criados em consideração ao princípio da afetividade como fator determinante da parentalidade. Este trabalho traz, inicialmente, uma breve abordagem histórica dos modelos de constituição familiar para em seguida apresentar o novo modelo de formação: “a adoção por casais homoafetivos”. Apresenta uma análise dos argumentos que deram origem a criação desta possibilidade jurídica, elencando alguns motivos que levam os casais a buscarem esta formação sem perder de vista o posicionamento do Estado e da sociedade.
Este artigo visa, a partir dessas análises, elucidar quais são os interesses que envolvem a formação de famílias por casais homoafetivos explicitando quem são os verdadeiros interessados.
Neste sentido, o tema abordado apresenta a possibilidade da concretização do que prevê o artigo 5º da Carta Magna que preconiza: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, em relação ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu artigo 6º que estabelece a importância de levar em conta os fins sociais que a lei tem por finalidade, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Além disso, aborda o princípio do melhor interesse das crianças e adolescentes como instrumento basilar na tomada de decisões jurídicas. Amplia a reflexão ao sugerir um olhar mais criterioso no que concerne à escolha de uma família para àquele que está em desenvolvimento, ou seja, que não tem maturidade para se posicionar em relação a algo tão complexo e importante para sua vida.
Com as novas regras de adoção surgiram várias discussões e estudos que visavam o esclarecimento e a aceitação em torno da adoção por casais homoafetivos e uma vez superada a questão da aceitação, por conscientização ou por imposição da norma, surgiu uma nova inquietação no que diz respeito aos interesses que envolvem este tipo de adoção, esta problemática teve abordagens implícitas em outros estudos, mas verificou-se a necessidade de uma abordagem direta o que serviu de motivação para elaboração deste artigo.
O trabalho é composto pela introdução, na qual foi realizada a contextualização da temática, explicitando o objetivo, a organização e a motivação da abordagem do tema em estudo; pelo referencial teórico, que abrange quatro seções: na primeira traz um breve apanhado histórico apresentando como ocorreu o instituto da adoção ao longo da história, na segunda aborda as dificuldades enfrentadas pelos casais homoafetivos e seus interesses, na terceira seção apresenta os interesses das crianças e dos adolescentes e na última  discorre sobre os interesses do Estado.

REFERENCIAL TEÓRICO
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA ADOÇÃO

A prática do instituto da adoção não é novidade, desde a antiguidade todos os povos praticavam a adoção. Esta prática era cercada por inúmeros interesses uma responsabilidade com a garantia do futuro da sociedade e cultura de certos povos, crenças religiosas, atos de solidariedade, caridade, amparo a membros de famílias próximas, consolo aos casais estéreis, obtenção de mão de obra barata dentre outros interesses. Assim, observa- se importantes relatos que demonstram a vetusta inserção de crianças em famílias por meio do afeto ou outros motivos. No Egito, por exemplo, a Bíblia relata a adoção feita pela filha de um Faraó que movida de compaixão decidiu adotar uma criança. Sobre isso, relata a bíblia:

E a mulher concebeu e deu à luz um filho; e, vendo que ele era formoso, escondeu-o três meses.
Não podendo, porém, mais escondê-lo, tomou uma arca de juncos, e a revestiu com barro e betume; e, pondo nela o menino, o pôs nos juncos à margem do rio. E sua irmã postou-se de longe, para saber o que lhe havia de acontecer. E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio, e as suas donzelas passeavam, pela margem do rio; e ela viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que a tomou.E abrindo-a, viu ao menino e eis que o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele, e disse: Dos meninos dos hebreus é este.Então disse sua irmã à filha de Faraó: Irei chamar uma ama das hebréias, que crie este menino para ti?E a filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino. Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o. E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado.
(BÍBLIA SAGRADA, 1990, p.66).

Outro importante documento que comprova tal prática é o código de Hamurabi (1728-1686 a.c.), que destinou à adoção oito artigos que previam punições para os que ousassem retirar a autoridade dos pais adotivos (RAMOS,1994).
A idade Média é marcada por uma significativa queda do instituto da adoção, voltando a ter força novamente em 1804 com o Código Napoleônico da França. Nas famílias ocidentais havia um sistema de lar adotivo que consistia na inserção de crianças de forma temporária em outras famílias, porém, mantendo vínculos legais e emocionais com a família de origem (VILELA, 2016).
No Brasil o instituto da adoção foi incorporado pelo direito português com o advento da colonização e foi regulamentado pelas Ordenações Filipinas, Manuelinas e posteriormente pelas Afonsinas. A maioria das adoções era realizada informalmente e motivadas, principalmente, pela obtenção de mão de obra barata e pela caridade, incentivada neste último caso pela igreja (VILELA, 2016).
Com o Código Civil de 1916 a adoção passou a ter maior formalidade, cuja adoção ganhou relevância no âmbito jurídico, sendo, pois, feita de forma sistematizada seguindo o modelo minus plena dos romanos (VILELA, 2016).

A adoção ganha relevância jurídica e, “traduzindo o ideal republicano de secularização da vida familiar, a adoção, passa a ser disciplinada de forma sistemática, segundo o modelo minus plena dos romanos”. O respectivo código regulamentava a adoção em onze artigos – do 368 ao 378. Por influência da instituição no direito romano no qual o direito português se espelhou, a adoção visava apenas os interesses dos adotantes (Idem,p.1).

Contudo, observa-se que o Código não facilitava o processo de adoção. A adoção tinha característica contratual entre adotante e adotando e era realizada por meio de escritura pública. Era marcante a distinção entre filhos legítimos e adotados. Enfim, o código resguardava mais os interesses do adotante do que do adotando.
A lei 6.697 de 1979 conhecida também por Código de menores resguardava direitos concernentes à proteção de menores em situação irregular, que alcançava casos de infração penal, abandono, desvio de conduta ou falta de representação legal (BRASIL,1979, p.1).
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças para o processo de adoção. Dentre elas, destacam-se o papel da família, do estado e da sociedade explícito no artigo nº 227 dessa lei. Sobre isso, preconiza o referido artigo:

       
A adoção deixa de ter apenas o caráter contratualista como ocorria no Código de 1916 e passa a ter um caráter impositivo, ou seja, passa a ser assistida pelo Poder Público, isto é, o legislador ordinário é quem dita as regras.
O parágrafo 6º do mesmo artigo evidencia uma grande conquista no que tange ao princípio da isonomia ao declarar que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988,p.60).Portanto, percebe-se um grande avanço, já que a legislação anterior considerava mais o interesse do adotante.
Após a Constituição Federal avanços em relação à adoção ocorreram com o a promulgação do novo Código Civil que trouxe no seu capítulo IV artigos dedicados à adoção, porém a maioria desses artigos foi revogada pela Lei nº 12.010, de 2009 e pela Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Permaneceram neste capítulo os artigos 1618 e 1619, conforme se lê a seguir:

Art. 1.618.  A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Art. 1.619.  A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência(BRASIL,2002, p.1).

Como se observa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990 e a lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, passaram a disciplinar mais especificamente este instituto.
O ECA tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, aplicando medidas e expedindo encaminhamentos para o juiz (BRASIL,1990). É o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Regulamenta os direitos das crianças e dos adolescentes inspirado pelos projetos fornecidos pela Constituição Federal de 1988 somado a uma série de regras internacionais tais como: declaração dos Direitos da Criança; regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e da Juventude, mais conhecidas como Regras de Beijing; diretrizes das Nações Unidas para prevenção da Delinquência Juvenil. Por outro lado a lei 12.010/2009 conforme seu artigo 1º dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2009).

Parte inferior do formulário

2 ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Na atualidade percebe-se uma dificuldade muito grande em conceituar família, isto acontece devido às inúmeras mudanças que vêm ocorrendo na sociedade que fizeram nascer novas formas de composição familiar. Assim, o modelo de família formada apenas por um homem, uma mulher e seus filhos, foi aos poucos sendo substituído. Uma sociedade não é estática, razão pela qual mesmo com a ausência de leis que disciplinem determinado assunto surgiram novos arranjos familiares que a posteriori foram assegurados pela legislação. Fatos e movimentos sociais foram determinantes para que fossem assegurados os direitos dos casais homoafetivos, porém por muito tempo as adoções utilizaram-se dos princípios constitucionais, dentre os quais se destacam a dignidade da pessoa humana, o interesse da criança e a afetividade, para fundamentar as decisões judiciais.
A adoção por casais homoafetivos percorreu uma longa trajetória marcada por preconceitos e discriminações para efetivar-se. Nos dias atuais, ainda existe uma parcela da população que relutam contra a união homoafetiva. Porém, a Resolução nº. 175 de 2013 que determina que as autoridades (cartórios) não podem rejeitar a celebração do casamento homossexual e nem a conversão da união estável em casamento, foi determinante para que, com a aceitação ou não da sociedade, a união homoafetiva ganhasse garantias legais para fatos historicamente conhecidos.
No Brasil, a publicação da Resolução nº 175/2013, representa uma grande conquista para casais homoafetivos, pois trouxe alterações na estrutura jurídica brasileira no que diz respeito ao casamento e nos conceitos de família. Conforme aborda POZZETTI:

A Resolução n. 175 do Conselho Nacional de Justiça traz alterações na estrutura jurídica brasileira e é necessário refletir sobre os requisitos legais para a celebração do casamento no Brasil. Com isso, sofremos alterações nos conceitos de família, união estável e casamento, trazendo consequências aos sujeitos da relação, gerando benefícios, direitos e obrigações outras, uma vez que a Resolução autoriza o casamento homoafetivo e, dessa forma, o contrato conjugal traz consequências  às relações familiares e econômicas. (POZZETTI; SILVA, 2013, p.1)

Cabe ressaltar que a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos é uma desses direitos adquiridos, pois passaram a gozar em pé de igualdade, dos mesmos direitos dos casais heterossexuais.
Contudo, a partir das garantias legais para a união homoafetiva iniciou-se uma nova e inevitável batalha para este novo modelo de composição familiar. Esta união sofre limitações e a composição de famílias constituída por dois homens ou por duas mulheres estaria fadada a uma formação reduzida aos consortes. O casal, por questões biológicas, deparou-se com a impossibilidade da ampliação familiar. Neste contexto, não deveria o casal aceitar as limitações do corpo e a impossibilidade da prole como consequência de sua escolha? Sobre isso o artigo de Lara Spelta de Souza (2017) Aspectos legais e Sociológicos da adoção”, mostra que não apenas casais homoafetivos sofrem esta limitação, e que existe na adoção uma alternativa de superação desta situação.

[...] Ao se descobrir a infertilidade, e mesmo com os tratamentos e avanços da medicina não se consegue atingir a gestação sonhada, muitas pessoas buscam na adoção uma forma de compensar essa impossibilidade fisiológica, projetando no filho adotivo a mesma idealização do biológico. No mundo perfeito o filho adotivo sairia da barriga de sua genitora imaculado, diretamente para os braços dos pais adotivos, para que todo o vínculo fosse construído com o casal (Idem,p.1).

A paternidade e a maternidade preenchem um vazio intenso, é como um desdobramento da existência. O sentimento de vazio, a vontade de ampliação da família leva casais homoafeivos a buscarem na adoção a solução para suas necessidades de se tornarem pais ou mães.
A adoção é bem vista pela sociedade, pois forma um vínculo não só jurídico como também afetivo. É o meio legal de oferecer a uma criança ou adolescente, que por algum motivo ficou privado da sua família biológica, uma nova chance de ser inserido e um ambiente familiar, de amor, carinho e compromisso, porém quando se trata de adoção por casais do mesmo sexo a aceitação por parte da sociedade não é a mesma.
Diante do exposto, convém destacar que a Constituição Federal prevê a igualdade entre todos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(BRASIL 1988, p. 8).

Nesse diapasão verifica-se que não é possível diferenciar os casais homossexuais dos heterossexuais no que diz respeito à adoção.
Fato é que existe um grupo que defende a adoção por casais homoafetivos com argumentos de que o importante é a existência de afeto entre adotantes e adotandos e que é bem melhor uma criança ou adolescente ser adotado por um casal homoafetivo do que viver no abandono. Outro grupo não aceita esse posicionamento e se apóia em justificativas que perpassam por preocupações com os aspectos psicológicos do adotando. Colocam em reflexão como será para as crianças e adolescentes viverem e desenvolverem-se em um lar onde não há a referência materna e paterna uma vez que esta preocupação, durante muito tempo, foi tema de estudos de psicólogos, psiquiatras e educadores que sempre ressaltaram a importância da presença do homem e da mulher, como referencial de pai e mãe, para a influência saudável no desenvolvimento do menor. Sobre isso, é pertinente a contribuição Analice de Jesus Araújo Nascimento em seu artigo “Possíveis Consequências da Terceirização das Funções Materna e Paterna para a Formação da Criança” que traz posicionamentos de psicólogos, psiquiatras que declaram:

A criança para se desenvolver e sobreviver necessita de cuidados desde o nascimento, e são os pais que representam o principal vínculo com o filho, por isso é importante que os cuidados sejam dados por eles. Dessa maneira, segundo Winnicott (2001) a ausência da mãe, seja fisicamente ou por um não cuidado afetivo suficiente, pode prejudicar a criança e comprometer o seu senso de realidade. Assim, como afirma Rhode (2000), a figura paterna é fundamental para que as relações triangulares edípicas sejam vivenciadas, ou seja, a ausência ou presença inadequada do pai pode influenciar negativamente o desenvolvimento emocional (NASCIMENTO, 2016, p.1)

O grupo contrário a adoção homoafetiva sinaliza uma preocupação em relação à possibilidade da adoção, por casais homoafetivos influenciar na identificação de gênero de crianças e adolescentes.
Os defensores da adoção homoafetiva rebatem este argumento evidenciando que em famílias formadas por casais heterossexuais também existem filhos homossexuais, ou seja, para eles a identificação de gêneros dos pais não influencia os filhos. Já a outra corrente defende que, como os pais são referências para os filhos estes serão influenciados a tornarem-se homossexuais pela ausência de uma das figuras (materna ou paterna) ou pelo comportamento do casal.
Contudo, percebe-se que não há um consenso e que parcela da sociedade ainda não está preparada para mudanças de paradigmas tão fortes que permearam a vida dos seres humanos por tanto tempo.

3 INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A adoção é uma medida de proteção às crianças e adolescentes, a adoção por homossexual ou heterossexual não traz total garantia de que a criança sempre será inserida em um lar onde haja respeito, lealdade, assistência mútua, amor carinho e compromisso dos membros da família, porém é o que se almeja, e para isso faz-se necessário a adoção de critérios rigorosos para minimizar ao máximo a probabilidade de uma adoção catastrófica uma vez que o instituto da adoção é irrevogável.
O número de crianças e adolescentes que esperam por serem adotados é imenso, e justamente por isso que muito se tem discutido sobre a possibilidade ou não da adoção por casais homoafetivos. Porém a quantidade de crianças que esperam por adoção não pode ser fator de maior peso na hora de se decidir por adoção por casais homoafetivos, como se as crianças e adolescentes fossem engodos utilizados pelo estado com o intuito de livrar-se de sua responsabilidade, ou seja, não se pode decidir por uma adoção por casais homoafetivos por se julgar que é melhor esta adoção do que crianças e adolescentes ficarem em abrigos.
Toda espécie de adoção deve cumprir o seu o fim social, mas sempre respeitando às exigências do bem comum, sobretudo a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, como estabelece o artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste diapasão, deve-se considerar prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, ou seja, o importante é encontrar uma família que seja adequada às crianças e aos adolescentes e não crianças e adolescentes que sejam adequadas às necessidades de pais ou mães.
No entanto, torna-se difícil garantir o atendimento do melhor interesse da criança uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 28 parágrafo § 2 o estabelece que “Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência” e nos demais casos a criança, sempre que possível, será ouvida.
Outro fator que dificulta a prioridade do interesse dos menores é que  maioria dos que se encontram disponíveis para a adoção foram vítimas de maus tratos e abandono, e  vêm-se obrigados a aceitar a primeira possibilidade de mudar a  realidade em que se encontram, mesmo que não seja para fazer parte de uma família nos moldes em que sonharam. A situação, o meio em que vivem fazem com que eles se agarrem, aceitem o que lhes é colocado como alternativa muitas vezes não vistas por eles como a melhor opção, mas como a única.
Questão um tanto contraditória também aos interesses dos menores é que segundo o mesmo artigo, no § 4º irmãos devem ser colocados sob guarda na mesma família, porém muitas vezes ocorre que a família que é de interesse para uma criança não é de interesse para seus irmãos e estes se vêm obrigados a aceitar como se todos fossem apenas um. É o que mostra o referido artigo:

Art. 28. § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. (BRASIL 1988, p. 1)

4 INTERESSE DO ESTADO

São inúmeras as dificuldades encontradas por casais ou indivíduos solteiros interessados na adoção de crianças ou adolescentes, dentre elas destaca-se a demora nos trâmites.  Hodiernamente, a duração do processo de adoção é de aproximadamente dois anos. A demora tem justificativas pautadas em rigorosos critérios formais que visam assegurar que a inserção da criança ou adolescente em uma nova família seja a mais certeira possível, pois trata-se de decisão irrevogável que tem por objetivo selecionar e encaminhar crianças e adolescentes a uma família que terá que ter compromissos com a criação destes sem cogitar a possibilidade de desistência, pois segundo o artigo 30 do ECA “ A colocação em família substituta não admitirá transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamentais ou não-governamentais, sem autorização judicial (BRASIL,1990).
A burocracia do processo muitas vezes apresenta-se como um óbice para a adoção fazendo com que exista um pressuposto, por parte da sociedade, de que o Estado tem mais interesse em atrapalhar o processo do que de facilitar.
No entanto, observa-se que o Estado tem muito interesse na adoção devido principalmente a questões econômicas. Vale ressaltar que a problemática abordada atinge mais os países pobres. Na comparação entre países de primeiro e do terceiro mundo, observa-se que os primeiros apresentam alta taxa de desenvolvimento somada com baixa taxa de natalidade em detrimento aos países do terceiro mundo que acumulam alta taxa de natalidade com baixo índice de desenvolvimento. Vários são os aspectos que envolvem a adoção nos países com baixo nível de desenvolvimento, dentre eles destacam-se os econômicos, sociais e culturais.
Segundo Caio Lencioni (2018), atualmente 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil. Em seu artigo Lencioni apresenta dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mostram que deste total apenas 8.420 crianças e adolescentes estão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), ou seja, apenas 17,8% estão aptas a encontrar uma nova família.
Os recursos financeiros “para a criação e manutenção de ações específicas dos abrigos são firmados com Poder Executivo das esferas municipal, estadual e federal”. As entidades de abrigos governamentais ou não governamentais, conforme artigo 95 do ECA, são fiscalizadas pelo poder judiciário (juízes e profissionais da área da infância e da juventude), pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar. Podem ainda serem fiscalizados por outras instituições que assegurarão o funcionamento adequado e dentro dos padrões exigidos por lei.
Além do envolvimento de várias instituições, os abrigos recebem recursos financeiros de acordo com as atividades desenvolvidas, o que dificulta a mensuração do gasto que os abrigos têm com o público que atende.
Desta forma, o Estado para cumprir sua responsabilidade, assegurada pelo artigo 227 da Constituição Federal, que visa garantir os direitos fundamentais da criança e adolescentes e tem também o compromisso de fiscalizar instituições e ofertar condições de vida com dignidade, necessita dispor de valores altíssimos o que o leva a duas opções, a primeira é realizar o retorno das crianças e adolescentes para as famílias biológicas,mas quando isto não ocorre, parte para a  segunda opção, a inserção em uma família substituta que é sem dúvida a opção mais vantajosa. De uma forma ou de outra o Estado visa à transferência de sua responsabilidade e de suas despesas para famílias biológicas ou adotivas. 

METODOLOGIA

Optou-se pela pesquisa bibliográfica, pois sua finalidade “[...] reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente [...] (GUIMARAES, s.d., p.1). Outra grande contribuição da pesquisa bibliográfica está no fato dela ser “é indispensável para a realização de estudos históricos” (Idem, p.1).
A pesquisa bibliográfica foi feita a partir da seleção de artigos científicos da internet, de livros do meu acervo pessoal e da biblioteca da Faculdade da Amazônia Ocidental (FAAO). A escolha do material bibliográfico foi feita a partir da seleção de autores e referencias que discorrem sobre a temática em questão, sendo feita inicialmente a seleção de autores e temáticas para posteriormente sistematizar por meio de fichas o material que fundamentou a pesquisa bibliográfica.

CONCLUSÃO

Verificou-se, ao longo da história, que nem sempre o interesse da criança e do adolescente foi atendido, já que prevaleceram sempre a intenção do estado e dos adotantes por muitos séculos. E embora a CF determine a garantia de direitos para que possa atender os interesses dos menores, na prática não se torna exequível, já que esse público não tem direito à escolha do tipo de família que o acolha. E visando aprofundar o tema em questão, sugere-se a abordagem de novos estudos bibliográficos e, também, de pesquisa de campo partindo da análise do ponto de vista dos efeitos psicológicos e emocionais por parte do adotado. Todavia, não se pode perder de vista pontos relevantes como: Os interesses dos três envolvidos nesse processo: adotando, adotante e Estado, as consequências da adoção para os envolvidos, entre outros aspectos.
Esse estudo é de grande relevância para literatura local e nacional uma vez que dispõe de poucos estudos bibliográficos e de campo relacionados à temática em questão sendo, portanto, uma rica fonte de pesquisa para estudiosos que desejam propor reflexões como: Uma abordagem histórica da adoção considerando os interesses do Estado e do adotante chegando até os interesses do adotando por meio da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do adolescente. Além disso, a pesquisa mostrou o interesse dos pais em suprir uma carência própria por meio da adoção, o interesse do Estado em transferir sua responsabilidade com as crianças para família de composição homoafetiva e os interesses dos menores que, mesmo com os avanços da legislação, ainda sofrem limitações por parte da burocracia do processo e  em detrimento dos interesses do Estado e dos adotantes.



REFERÊNCIAS

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*Acadêmica do curso de Direito da FAAO.